Jornalistas negros tem se tornado “a cara” do telejornalismo baiano, ocupando espaços de representatividade e poder.
A televisão é o meio de comunicação onde diariamente é construído o imaginário da população. É nesse local que as pessoas costumam identificar o que é belo, causado obviamente por um estereótipo que há muitos anos foi implantado na sociedade: ter a cor considerada “padrão”.
O telejornalismo, por sua vez, vem tentando incluir pessoas negras em locais de destaque, dando um novo direcionamento ao público, fazendo com que os mesmos se sintam representados, afinal, a maior parte da população brasileira é formada por pessoas pretas.
Apesar do tamanho esforço não convincente dos veículos comunicacionais, ainda há muito a se fazer, o racismo ainda faz parte do dia a dia, e as pessoas ainda não possuem a famosa “consciência negra”. Não aquela que é comemorada no dia 20 de novembro, mas aquela que é vivenciada na prática.
Um estudo realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2021 mostrou qual o perfil do jornalista brasileiro. De acordo com os dados, a maioria das profissionais são mulheres brancas entre 31 e 40 anos. E não para por aí, segundo o Portal Bahia Notícias, o maior telejornal do país só foi ter um negro em sua banca 33 anos após a sua 1ª exibição, com Heraldo Pereira assumindo a bancada do Jornal Nacional.
É importante comemorar os avanços, mas por detrás das telinhas, ainda acontecem situações que são pouco evidenciadas: o racismo estrutural, que abala a população de forma absurda. Silvio Almeida, filósofo, advogado, professor universitário e escritor de um dos livros mais evidenciados sobre o racismo estrutural, diz que: “Em resumo : o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas , econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural.Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção.”
Jornalistas negros na Bahia ocupa locais de representatividade
Esses espaços de poder têm sido ocupados a cada dia por pessoas negras em grandes veículos. Em 2 de outubro de 2021, após 37 anos da fundação da Rede Bahia, afiliada da TV Globo, e quase 3 décadas de transmissão do Bahia Meio Dia, o jornal tem jornalistas negros, Vanderson Nascimento e Luana Assiz, apresentando um jornal.
O Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), até pouco tempo, esteve com a Lise Oliveira à frente de telejornais e de programas de entretenimento. Essas ocupações de pessoas negras nesses espaços, mostram como o jornalismo baiano vem rompendo o normal.
Além de jornalistas, programas com temáticas raciais também se fazem presentes nas programações, um exemplo deles é o “Conversa Preta”. Com a primeira exibição em 15 de agosto de 2020, o objetivo é abordar temáticas sobre o racismo e o seu impacto para a população. A produção é de Aldri Assunção, Luana Assiz, Mira Silva, Georgina Maynart e Vanderson Nascimento.
Os repórteres do UJornalzinho Adriane Rocha e Ítalo Oliveira, entrevistou os jornalistas Luana Assiz, da TV Bahia, e Iago Ribeiro, do SBT Bahia, sobre a como é ser um comunicador negro ocupando esses espaços.
Luana Assiz é uma mulher negra, artista, lésbica, formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em Jornalismo e Economia, já passou por algumas emissoras como a Televisão Educativa da Bahia (TVE), Rádio CBN Salvador e desde 2019 está na Rede Bahia.
Luana conta que as oportunidades demoraram para chegar até ela devido ao seu fenótipo e está fora do padrão que a sociedade branca impõe. “As dificuldades que tive foram de uma pessoa negra em uma sociedade racista. A necessidade imposta pelo ambiente externo de sempre provar o meu conhecimento e capacidade para ocupar esses espaços, eu encontro e sempre venho lidando com isso.”, afirma a jornalista e cantora.
Para ela, a vontade de escrever e contar histórias, escutar e apresentar esses enredos, foram os motivos que pesaram na escolha da profissão, mas a inicial foi o gosto dela por escrever. Assiz conta também que sempre se destacou na escrita das redações e no gosto pela leitura.
“Hoje eu identifico que o jornalismo é fundamental para manutenção da democracia e da vida humana. Nós vivemos em um momento onde as Fake News estão fazendo o país tomar caminhos mais difíceis, não só o Brasil, mas a epidemia ao redor mundo também. É uma indústria que investe em robôs e tecnologia para essa produção de notícias falsas com interesses bem questionáveis. Então a gente, jornalistas, acaba tendo um papel ainda mais relevante para essa sociedade.”
“Temos muitas barreiras para derrubar ainda” diz Iago Ribeiro sobre homens negros dentro do jornalismo
Iago Ribeiro tem 30 anos de idade e é jornalista, soteropolitano, formado em 2016 pelo Centro Universitário Jorge Amado (UniJorge). Atualmente é produtor do SBT Bahia e esteve algumas vezes à frente das câmeras como repórter, também foi técnico de comunicação na mesma instituição em que estudou. Ele já trabalhou na TVE, Rádio Metrópole e desde o início de 2022 está como produtor no canal de televisão baiano.
Ao ser questionado sobre como ele ver o atual mercado do jornalismo para homens negros, Iago fala como ainda existem muitas barreiras a serem quebradas. Para o produtor, pessoas pretas são consideradas não bem fotografadas ou como não ficam bem em vídeo. Ribeiro conta que está surpreso devido ao tempo e oportunidade que vem ganhando na frente das câmeras.
O jornalista do SBT Bahia sempre teve o objetivo de trabalhar no editorial de esportes, e conta em relação como para pessoas não brancas, apesar de está mais aberto para esse grupo, ainda precisam lutar contra preconceitos e estigmas. Ele acredita que a comunidade está buscando espaços e espera que a mudança não demore muito para acontecer.
Ao falar de sonhos, objetivos e conquistas, Iago Ribeiro, diz que entrevistar ídolos é algo marcante e nada supera ter uma matéria sua em rede nacional.
“O mesmo é trabalhar nas grandes empresas de comunicação. Mas nada supera suas matérias no nacional. É uma felicidade sem tamanho. Saber que seu trabalho está sendo exibido para todo o Brasil. Aconteceu duas vezes, na época que trabalhei na TVE e as matérias foram exibidas na TV Brasil.”, finaliza Iago.
Confira na íntegra a entrevista com Iago Ribeiro e ouça o nosso podcast com Luana Assiz:
1- Iago, agradeço pela sua participação e por topar ser entrevistado por nós. Primeiro queria que você contasse um pouco da sua história universitária, o que te motivou a chegar onde você está, e porque escolheu jornalismo?
R – Obrigado a vocês pelo espaço aqui na Unijorge.
Bom, comecei a faculdade em 2012, na Unijorge. Larguei o curso de Educação Física pra entrar de cabeça no Jornalismo, motivado muito pelo jornalismo esportivo.
Meu primeiro estágio foi na Record, em um final de semana, ajudando na produção do programa Ídolos. Logo depois passei pela Varjão empresa de clipagem, pela assessoria do IRDEB, participei do programa Correio de Futuro, fui estagiário da TVE Bahia e do jornal Tribuna da Bahia.
Nesse tempo, busquei trabalhos sempre com o objetivo de trabalhar em rádio e trabalhar com esporte. Formei e fiquei como funcionário da Unijorge.
2- Sabemos que você passou um tempo trabalhando na universidade em que você se formou, como operador de áudio, algo que não foge da sua realidade como jornalista, porém não era exatamente jornalismo. O que você pôde aprender com esse processo? Foi uma escolha?
R – Esses 5 anos de Unijorge me deixaram calejado profissionalmente.
Eu fui técnico em comunicação, comecei focado só no áudio, mas fiz tudo no laboratório.
Esse tempo me deu essa visão, do lado de trás das câmeras e microfones, e foi o diferencial na minha contratação na TV Aratu.
Essa passagem pela Unijorge não foi uma escolha. Quando me formei, foi a única oportunidade de emprego que apareceu. Participei de algumas seleções, mas todas sem sucesso. No fim, era a única porta aberta.
3- De que forma você enxerga o mercado de trabalho para homens negros dentro do jornalismo?
R – Acho bem seleto e pequeno, principalmente quando a gente fala de televisão ou vídeo, de uma forma geral. Temos muitas barreiras para derrubar ainda. No final, somos ainda classificados como não fotógrafa bem, ou como não fica bem no vídeo. Me surpreendi até com todas as oportunidades que me foram dadas na TV Aratu e na TVE. Ganhei muito tempo de vídeo, muito mais do que esperava e agradeço a esses dois locais por todas as oportunidades.
4- Como foi esse processo de transferência de um lugar menos “jornalístico” para as telinhas?
R – É um universo novo, mas nem tanto. Ainda sigo como produtor, de fato. Ou seja, sigo atrás das telinhas. Mas vi muita diferença. Praticamente deixei a ajuda na formação de alunos de lado pra entrar de cabeça no mercado. MUITO, muito mais trabalho.
5-Primeiro você começou como repórter, e agora está apresentando um programa esportivo, como âncora. Essa adaptação das ruas para o estúdio foi produtiva? Como estão sendo essas experiências para você?
R – Ainda sou produtor, mas já fiz algumas pontas de reportagem, coordenação e comentários de programas esportivos.
Já tinha feito na TVE, reportagem esportiva. É algo que quero fazer na vida. Sair, contar histórias. Ainda sou produtor, mas já participei de processos para tentar ser repórter. Não rolou, mas sigo na esperança.
6- Iago, há espaço para pessoas negras dentro do jornalismo esportivo? Como você encara essa realidade?
R – Na TV, muito pouco. No rádio e jornal o espaço é aberto, mas ainda lutamos contra preconceitos e estigmas das empresas e suas contratações.
Acredito que estamos buscando espaços de igualdade. Mas ainda é minúsculo, pra ter uma noção do que nós merecemos. Espero que isso mude, e não demore tanto.
7- Conte-nos uma experiência marcante para você dentro do jornalismo.
R – Acredito que entrevistar ídolos ou pessoas importantes é um fato marcante. O mesmo é trabalhar nas grandes empresas de comunicação.
Mas nada supera suas matérias no nacional. É uma felicidade sem tamanho. Saber que seu trabalho está sendo exibido para todo o Brasil. Aconteceu duas vezes, na época que trabalhei na TVE e as matérias foram exibidas na TV Brasil.