por Evandro Cruz
Com a estreia da Copa do Mundo de 2022 cada vez mais próxima, a lista de jogadores que disputarão a competição no Catar tem sofrido alterações com desfalques de peso. O espetáculo do futebol vem alterando os ares que sopram em direção a península árabe deixando peças importantes pelo caminho, algumas delas, talvez, as mais importantes da temporada.
Escalando apenas os atletas que se lesionaram, a seleção que se desenharia é de extrema competitividade, contando até com os atuais melhor e segundo melhor jogador do mundo, o francês Karim Benzema e o camisa 10 de Senegal, Sadio Mané, respectivamente.
Novidade não é. Mas, apesar de estar sempre nos roteiros, esse é um ponto da história indesejado para cada personagem e justamente também para cada fã. A verdade é que a incerteza implacável do futebol sempre escreve novas histórias e, neste livro, as histórias lamentáveis também ganham espaço.
A data marcava 8 de novembro de 2022. Há apenas 12 dias da abertura da Copa, o senegalês Sadio Mané vestiu a camisa tricolor do tradicional clube bávaro, Bayern de Munique, e aprontou-se para enfrentar o Werder Bremen pelo campeonato alemão. O que ele não imaginava é que aquele jogo lhe arrancaria algo que muito sonhava: a Copa do Mundo, a qual lideraria sua nação contra as outras 31 seleções classificadas.
A Classificação
Quando disputava as 5 vagas diretas para a Copa do Mundo, Senegal encontrou pelo caminho a seleção do Egito. Os senegaleses já teriam ido a Rússia em 2018, quando tiveram uma atuação apagada na Copa que logo se encerrou na fase de grupos, e agora teriam a oportunidade de voltar ao campeonato do mundo e reescrever a história de alguns personagens importantes do país.
A partida era decisiva. Àquela altura, na Europa, certamente ambas as equipes já teriam cravado suas vagas entre as 13 que se dispõem ao continente, mas era final. O segundo jogo acabaria com o sonho de uma das seleções de ir ao Catar nesse mesmo ano, e a indecisão não acabou brevemente, aliás, estendeu-se até a disputa dos pênaltis.
O final contaria com cobranças desperdiçadas, cobranças convertidas, lasers mirados a face dos jogadores e duas grandes estrelas do futebol inglês carregando a responsabilidade de classificar seus países: Quando Mohamed Salah perdeu, Sadio Mané não desperdiçou. Converteu o pênalti, classificou Senegal. O fim de um sonho para o competitivo Egito.
Senegal não é um país de enorme tradição no futebol, mas a paixão do seu povo é notável. Se há algo de contagiante no futebol senegalês, certamente as imagens de comemoração do título da Copa Africana de Nações na capital, em Dacar, é uma delas.
A euforia foi capaz de transtornar toda a rota de uma cidade, tomando conta das ruas, dos transportes coletivos, das televisões, das rádios e com certeza do coração do povo senegalês que comemorava aquilo como se fosse um título da própria Copa do Mundo. O que não se imaginava é que aquele líder, o camisa 10, Sadio Mané, que agora lhes trazia felicidade, logo seria fruto de preocupação.
Curiosidade: O Monumento da Renascença Africana é um estatuário de bronze de 49 metros de altura, projetado pelo arquiteto senegalês Pierre Goudiaby para a capital do país, Dacar, e é ele que se destaca ao fundo da imagem. Sua inauguração em 2010, após um ano de atraso da data prevista, foi marcada por críticas ao alto orçamento e pela execução da obra realizada por empresa norte-coreana. Apesar de sua bela representação, a maior estátua de África segue dividindo opiniões entre críticos e apreciadores.
A fé africana
O homem santo marabuto é um líder religioso muçulmano, como um sacerdote. Ele lidera um culto, faz intermediação entre a imagem sagrada de Alá a do muçulmano. O seu lugar nessa história traça o perfil de um continente que abraça a religiosidade em campos ainda atingíveis.
Com uma lesão no menisco de Sadio Mané, o corte do nome do craque da lista de convocação era certeza para quase todos, com exceção dos senegaleses, que puseram a fé e a crença em um milagre num campo de esfera tocável.
Naquele momento se esclarecia para o mundo que o sagrado era ferramenta influenciadora para o que questionávamos; a presença do atleta na competição que só aconteceria novamente em próximos 4 anos.
Acontece que, quando se trata do continente africano, em cada uma de suas personalidades, o relacionamento entre o místico e o futebol não é deveras distante.
Entre casos de superstição, de práticas e acontecimentos polêmicos, o misticismo se consolida na história do esporte em África, despertando pelo menos a curiosidade de um ocidente um pouco cético.
Afinal, com tantos jogadores lesionados e desfalques confirmados para a Copa do Mundo do Catar, porque apenas Senegal recorrera ao sagrado? Para Tonha, Ekedi do Terreiro Ilê Asè Oyá, a história se explica em ancestralidade, em como, por exemplo, os negros utilizavam das religiões de matriz africana para protegerem-se dos males de um sistema escravocrata e sua repressão, na imagem das benzedeiras e na medicina natural e sagrada. “Nós sempre buscamos resposta nele. Quando oferecemos comida, entendemos que nem sempre o orixá está com fome. Ele nem sempre responde, mas nós sempre perguntamos”, afirmou a Ekedi.
Senegal é um país carismático da costa ocidental africana e, agora, um marco carismático da Copa do Mundo do Catar. Apesar de toda crença e misticidade, Senegal não pôde contar com o camisa 10, Sadio Mané, para a competição, notícia que certamente impactou o torcedor senegalês.
Entretanto, mesmo sem Mané, o gol do capitão Kalidou Koulibaly para desempatar o jogo contra o Equador e classificar a seleção senegalesa para as oitavas de finais também levou alegria para as ruas de Dakar, e de todo país certamente, que voltou a celebrar um bom desempenho do elenco comandado por Aliou Cissé.
O futebol seguirá unindo povos em torno da emoção, ele é geográfico, histórico e acima de tudo cultural, são casos como esses que perpetuam a magia do esporte mais popular do mundo.