Das favelas de Salvador para as passarelas de Paris 

Designers do Instituto Oyá levam moda afro-brasileira para Paris

Por Bruna Rocha e Dara Mederios

Costurando memórias e cortando os atravessamentos sociais, Miralva Jesus, 48, viu no Instituto Oyá de Arte e Educação a oportunidade de conquistar uma nova formação como artesã e designer de moda. A moradora da Massaranduba, bairro de Salvador, assistiu uma entrevista falando sobre o instituto e se interessou. 

“Conheci o Oyá quando assisti na tv a entrevista de um colega do movimento social do qual faço parte, amei a proposta e entrei para o projeto, já tem dois anos que estou nesse grupo”, relembra Miralva. 

A designer de roupas faz parte da equipe de oito mulheres do Oyá Criativa, um projeto pertencente ao instituto que abraça a formação profissionalizante de jovens e adultos. Seu objetivo é ampliar os horizontes e as perspectivas no mercado de trabalho, contribuindo com a redução das desigualdades. São disponibilizados cursos de corte, costura e modelagem de bolsas. 

“Eu não tinha noção de quantas coisas posso criar e aprender. Hoje o Oyá para mim é um espaço onde eu consigo me conectar com a natureza, com a ancestralidade e com outras mulheres. Tenho orgulho de mim e de fazer parte desse projeto. Fiz parte da equipe que foi para São Paulo ministrar oficinas e compartilhar o processo de produção da coleção da ‘Folhas Sagradas da Farm” que foram para Paris, foi gratificante”.

Foto: Bruna Rocha_2023

Despreocupada com os limites etários, Odete Dasdores Mendes, 72, também designer de moda, entrou no Oyá durante a pandemia. Sem conhecimento algum sobre costura, decidiu construir novas experiências. 

“Eu não costurava nada antes do Oyá, mas imaginava que ao fazer o curso iria aprender a modelar, a fazer corte e costura, eu já imaginava que viria muita coisa boa” , lembra a moradora de Pirajá. 

Conheça a história de Malvina e Odete as designers do Oyá

Com uma forte ligação com o matriarcado feminino, o Instituto Oyá tem aliados masculinos que fortificam os valores do projeto. O gerente do local, Ivaldino Júnior, 35, morador do Pirajá, foi educando do projeto e hoje contribui para as atividades administrativas. 

Ouça a história de Ivaldino e sua relação com o matriarcado do Instituto 

OYÁ ENTREGANDO COM UMA MÃO, NÓS DIVIDINDO COM A OUTRA

Com ventos fortes e trabalho coletivo, o Instituto Oyá alimenta a economia periférica do bairro de Pirajá. Além de formar profissionais qualificados para realizar trabalhos independentes do instituto, o local proporciona empregar os designers com ações internas.

“Aqui estamos focados no processo educacional, mas sempre que é realizada uma encomenda as mulheres são pagas. O Oyá será esse canal de renda, mas por ano, podem haver 10 ou menos ações de financiadores. Por isso, a garantia é que estamos formando profissionais aptos para o mercado de trabalho”, conta Ivaldino, gerente da instituição.

Iniciativas como a do Oyá fomentam a independência financeira de mulheres periféricas. Segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o Brasil pode expandir sua economia em até R$382 bilhões de reais ao longo de oito anos se aumentar a inserção do público feminino no mercado de trabalho. Em outra pesquisa do Fórum Econômico Mundial, revela que a paridade econômica das mulheres contribuiria com US$12 trilhões para a economia global.

Em conferência sobre inclusão, a cientista da comunicação e filantropa Melinda Gates destacou a importância feminina através de um texto publicado na Forbes: “As mulheres são os motores do crescimento econômico”.

Foto: Bruna Rocha_2023

MÃE SANTINHA, UM SONHO QUE DESAFIA AS ESTATÍSTICAS

Contrariando as estatísticas e sonhando quando os marcadores sociais a acordavam, a Ialorixá Anísia da Rocha, mais conhecida como Mãe Santinha, abriu as portas do Ilê Axé Oyá, para acolher e contribuir com o desenvolvimento humano, intelectual e artístico da juventude do  no bairro de pirajá. Assim, em 1998, ganha vida o Instituto Oyá de Arte e Educação, um espaço de valorização da educação plural e antirracista. 

Bebendo da história e respeitando a forte contribuição para comunidade negra existente no bairro de Pirajá, o Oyá surgiu para escrever novas páginas sobre a localidade. E nos primeiros 17 anos de existência do instituto, Mãe Santinha pôde observar de perto a grandiosidade dessas histórias sendo contadas.  Infelizmente, em 6 de maio de 2015, a matriarca faleceu por insuficiência respiratória, deixando um legado imensurável para o território brasileiro. 

“Desde que se mudou para Pirajá, Mãe Santinha, que era uma mulher à frente do seu tempo, identificou que a juventude necessitava de atividades de artes e educação no período oposto da escola. E abriu as portas do seu terreiro para dialogar com os jovens, sem colocar a religião à frente das ações realizadas no local”, conta a Nívea Luz. 

Continuando o legado da avó, Nívea Luz, 40, sucede o terreiro e torna-se a Ialorixá, da nação ketu do candomblé, do Ilê Axé Oyá. Além do cargo religioso, ela assume a coordenação do instituto.

Durante a longa trajetória de 25 anos de resistência religiosa e educacional, o instituto desenvolveu uma estratégia própria de ensino, preocupada com as distintas vivências existentes dentro das periferias e recepcionando jovens de 7 anos e pessoas maduras com mais de 60 anos. Esse modo zeloso foi visualizado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e reconhecido como metodologia inclusiva.  

“A metodologia aplicada aqui visa a valorização da pessoa, do letramento educacional e antirrascista. Na prática, estimulamos a absorção de conteúdo didáticos com artístico, então, o aluno que trabalhou um texto literário na aula de português, no primeiro horário, na aula de teatro no segundo período o facilitador fará a interdisciplinaridade atuando na interpretação daquela obra. Esse método foi reconhecido pela Unesco, estando no livro como meta de aplicação global nos próximos 50 anos”, conta a gerência do Oyá. 

A empatia e valorização da pessoa são valores enraizados na essência do Instituto Oyá, que, a partir de projetos como o Oyá Educa, Oyá Criativa e o Oyá Social segue gerando mudanças estruturais e emancipatórias nas periferias de Salvador e região metropolitana. 

Fotos: Bruna Rocha_2023


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