Estudantes de colégio público recebem Oficina de Teatro do Oprimido como
incentivo à implementação das artes no ensino
Por: Alícia Mosquera, Beatriz Paranhos e Rebeca Antunes
O que você estava fazendo no dia 18 de novembro de 2024 ? Para os alunos da turma do 6º ano A do Colégio Estadual Professora Marileine da Silva, localizado na Mata Escura, este dia foi, verdadeiramente, marcante. A tarde de segunda-feira aparentemente era comum e, por volta das 14h, os alunos entre 11 e 13 anos já sabiam: a aula de educação física com a professora Caroline Damascena iria começar. Mas, neste dia, a proposta para o horário da aula era uma atividade bem diferente do que estavam acostumados: uma oficina de Teatro do Oprimido.
O evento foi proporcionado pelo projeto “CULTive Aqui” – que tem como principal propósito cultivar a arte e a cultura. A ideia foi concebida por estudantes do curso de jornalismo do Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge) – e conduzida pelo ator e professor, original e residente do município de Dias d’Ávila, Caio Holtz. A oficina buscava colocar na roda de discussão, de uma forma lúdica, assuntos tabus, como, por exemplo: bullying, racismo, igualdade de gênero e homofobia.
O estranhamento não era só das 10 meninas e dos 10 meninos da turma A presentes naquela segunda-feira (18), mas de todos os outros estudantes das demais turmas da escola. Havia um misto de medo do que estava por vir misturado com a curiosidade estampada em seus rostos. Era novidade para todo lado: pessoas novas na área, comidas trazidas que não faziam parte da cantina e algo para fazer que não fosse interagir com a bola, o gol, a bandeirinha, o pega-pega e o baleado. Para aquelas crianças, o banal ficou de fora na tarde do dia 18, dando espaço para a arte, a comunicação e a necessidade de expressar-se, tomando conta da área externa do Colégio.
A priori, para eles, uma ação estranha com um monte de gente desconhecida portando câmeras e microfones; mas, algo mudou neles assim que o professor oficineiro Caio Holtz começou a falar. O semblante de insegurança daquelas crianças começava a denunciar uma abertura cada vez maior; auxiliando, inclusive, no processo de imersão da oficina e despertando espaços que nem no planejamento e na organização da ação foram pensados para trabalhar.
“Oprimidos pela própria escola, pelos professores e pelo sistema de ensino que
lhes é oferecido!” Esta foi a principal denúncia coletiva de opressão que a turma
fez eclodir, quando foi finalmente contaminada pela proposta da atividade – que
buscava semear a ideia de que a arte é necessária para um melhor ensino. E
que, por meio desse nicho artístico, neste caso, o teatro, temáticas
estereotipadas na comunidade podem ganhar voz, sobretudo quando essa voz
vem de cidadãos pequenos, na linha tênue entre a infância e a pré-adolescência.
Afinal, numa escala de 0 a 100, o número é 0 para a presença da arte na vida das crianças que estudam na escola situada na comunidade da Mata Escura, já supramencionada. É lamentável saber que mesmo com a exigência da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que exige a inserção da arte como parte basilar no processo educacional, o ensino público insiste em não o aderir.
Afinal, numa escala de 0 a 100, o número é 0 para a presença da arte na vida das crianças que estudam na escola situada na comunidade da Mata Escura, já supramencionada. É lamentável saber que mesmo com a exigência da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que exige a inserção da arte como parte basilar no processo educacional, o ensino público insiste em não o aderir.
Até que ponto essa opressão ficaria entalada em suas gargantas se não fosse uma dose de teatro? Até que ponto ela não os sufocaria em silêncio? Mesmo em apenas uma hora e meia, foi possível perceber alguns dos muitos barulhos que moravam por trás daquelas crianças sendo colocados para fora. A arte propõe exatamente isso, conexão; consigo e com o outro. Trazer palavras para sentimentos. Além disso, a arte apresenta a noção política do sujeito conquistando esse espaço próprio – fazendo parte de um coletivo, mesmo que quando só (sentido de unidade), como o próprio psicólogo histórico-cultural, original da Rússia, Leg Vigotski, apresenta em sua obra “Psicologia da Arte”, na versão traduzida em português de 1999.
Embalando os discentes do 6ºA, o professor e ator, Caio, conseguiu mobilizar e desmembrar as sensações e sentimentos da turma de forma cada vez mais efetiva. Muito se é dito sobre “dar voz”, mas esse não é o ponto; eles têm voz, ela só não tem um espaço para ser ecoada, então eles tendem a não a exercitar. Entretanto, isso foi transformado pelo oficineiro a partir das técnicas do Teatro do Oprimido, em especial, com o uso do Teatro Imagem.
Para melhor entender esta técnica, confira um trecho do documentário: “Augusto Boal e o Teatro do Oprimido”, que explica sobre esse aspecto do Teatro do Oprimido:
Uma boa devolutiva da oficina deixa ainda mais claro que a arte promove acessos para espaços que normalmente não são visitados por aqueles renegados na sociedade: no caso, as comunidades marginalizadas. Percebe-se, então, uma demanda pungente de uma Educação de Qualidade em redes educacionais públicas para, assim, continuar causando o despertar no outro.
Conheça mais sobre o quarto objetivo de desenvolvimento da ONU, o qual serviu como base para o florescer do projeto realizado pelo grupo CULTive Aqui.
Com fins de destrinchar melhor sua opinião sobre o processo educacional de absorção dos alunos do 6ºA, o professor Caio Holtz concede uma entrevista à equipe do “CULTive Aqui” sobre a importância do teatro como um mecanismo crível e de importância imensurável para um desabrochar da criança em seus processos educacionais e em suas percepções críticas e emocionais. Lastimando, portanto, a maneira estarrecedora que o ensino público se encontra.
Segue abaixo a reportagem completa da ação:
O Teatro do Oprimido, criado por Boal e mencionado por Holtz, consiste em subverter a lógica convencional de que o ator “atua” e o espectador “assiste”, combinando-os ao criar um espect-ator. Dessa forma, o indivíduo, independente de ter uma formação ou não, é mais do que convidado – estimulado até – a participar, sendo estruturado em atividades que
replicam discussões e temáticas do mundo real e promovem pensamentos críticos sobre elas. A ideia é que seja promovida uma compreensão do real e a busca por soluções tangíveis que efetivamente influenciem como fator transformador.
Através do teatro do oprimido, os participantes envolvidos são capazes de compreender e respeitar os próprios corpos e limitações, bem como as do outro. É uma ferramenta potente e eficaz que desenvolve o senso de empatia, autoconhecimento e superação de barreiras impostas – principalmente, durante a infância e adolescência – social, econômica e culturalmente. Permitindo, assim, que o pontapé inicial fosse dado através deste mecanismo que, em sua potência, permitiu que os alunos dessem o primeiro passo para transformar suas realidades através do acesso à cultura e à educação.
Para mais informações do Teatro do Oprimido, consuma:
- Texto sobre Augusto Boal e a corrente do pensamento “Teatro do Oprimido”. – Teatro do Oprimido: 50 anos de desalienação – Outras Palavras
- Entrevista com o movimento do Teatro das Oprimidas no programa Papo na Laje. “Teatro das Oprimidas é uma revolução dentro da revolução”, | Cultura
- Sugestões de como aplicar o Teatro do Oprimido –11 jogos do teatro do oprimido para aplicar em sala de aula