A moda afrocentrada que exalta a beleza de corpos reais

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Com coletivo de moda afrocentrada, empreendedora do Nordeste de Amaralina, em Salvador, já trabalhou com mais de 300 modelos. 

Por Bruna Rocha e Dara Medeiros

Desfilando na cara dos padrões sociais, valorizando a beleza de corpos reais e aceitando a  formosura da mulher negra plus, a modelo plus, empreendedora e produtora de moda Gilsilene Araújo, 26, mais conhecida como Gil, desenvolveu o coletivo de moda afrocentrada Raízes Mucunã. A moradora do bairro Nordeste de Amaralina, em Salvador, deu vida à iniciativa em 2019, durante a pandemia do Coronavírus, e hoje mais de 300 modelos já desfilaram na passarela do projeto. 

Inquieta com a falta de representatividade de corpo negros, gordos, LGBTQIAPN+ e pessoas com deficiência no mundo da moda, a modelo plus decidiu desenvenvolver o coletivo de moda afrocentrado e com foco no afroempreendedorismo periférico para potencializar o trabalho de pessoas negras por toda Salvador. 

“O Raízes Mucunã surgiu do meu incômodo pessoal  ao enxergar a falta de oportunidade e de representatividade de pessoas reais como eu no mundo da moda. De início, nosso objetivo era trazer marcas de empreendedores negros para criar um portfólio coletivo afrocentrado. Hoje, nos tornamos um coletivo de moda que já recebeu e capacitou mais de 300 jovens e adultos desde sua idealização, trazendo de volta autoestima e valorização da cultura afrocentrada”, explica Gil.

Usando a areia branca e a água doce da Lagoa de Abaeté, em Itapuã, o coletivo de moda promoveu o primeiro editorial chamado Abaeté, em novembro de 2021. Cada vídeo e fotografia dessa produção inicial expressava respeito, afeto, cuidado e admiração pela beleza presente em pessoas fora dos padrões do mercado. Na época, cerca de 15 modelos participaram do trabalho que tinha como foco evidenciar o serviço de afroempreendedores periféricos e também mostrar a diversidade de corpos que atuam no mundo da moda. 

A ação repercutiu nas redes sociais e despertou o interesse de muitas pessoas que se identificaram com o projeto e se perceberam com potencial para modelar.

Primeiro editorial do Raízes Mucunã – Foto: Anderson Bam

Em janeiro de 2022, o Largo da Mariquita, no bairro do Rio Vermelho, foi palco para os modelos do Raízes Mucunã. Dali nomes marcantes para a história do projeto deram os seus primeiros sorrisos ao serem selecionados para compor o casting da iniciativa. 

“As seletivas acontecem a cada semestre onde os modelos são avaliados por uma banca que para além da estética, busca entender o porque o modelo gostaria de fazer parte da nossa família. Ao passar, o modelo participará de ações como: editoriais fotográficos, aula de passarela, rede de fortalecimento para empreendedores negros,  intervenções artísticas e culturais”, relata Gil. 

RAÍZES QUE SE ENTRELAÇAM

Entre desfiles e editoriais, histórias marcaram o coletivo, como o caso dos irmãos Anderson Soares, 33, e Carla Roberta,  27, que se conheceram na segunda seletiva do Raízes Mucunã. Tendo laços sanguíneos, mas não afetivos, os parentes passaram mais de 20 anos sem qualquer contato e a seleção mudou isso. O fisioterapeuta, morador do bairro de Pau da Lima, em Salvador, conta como conheceu a irmã de parte de pai, ouça um pouco dessa história: 

A irmã, Roberta, moradora do bairro de São Cristóvão, também na capital baiana, explicou que já sabia da existência do irmão, mas ao vê-lo se emocionou. Para ela, o coletivo foi como uma ponte que os ajudou a se aproximar de um sentimento que era desconhecido até então. 

Eu já sabia da existência dele. Um dia meu pai me disse que meu irmão gostava de moda também, que queria ser modelo, aí passei as instruções da seletiva. Na hora que vi Anderson chegando eu tremi, fiquei toda sem graça, mas meu irmão veio e me deu um abraço tão caloroso que foi um alívio”.

Foto: Bruna Rocha_2023

E adiciona: “Hoje sou muito grata por tê-lo na minha vida, somos irmãos e amigos. Ele é um dos meus amores, o amo tanto que se pudesse o colocaria numa caixinha. É um amor inexplicável”.

Juntos, os irmãos estão há dois anos participando do coletivo. Durante esse período os parentes se tornaram “familiares” e estiveram presentes em mais de 10 eventos entre editoriais, desfiles e confraternizações, todos com foco na beleza e raízes afro-brasileiras. 

“Já vinha trabalhando a minha autoestima e cuidados de mim mesma. O Raízes veio para agregar, me incentivando e mostrando que estava no caminho certo”, conta Roberta. 

FLORESCENDO A ALMA

Assim como todo coletivo de moda, a estética é o pilar central do Raízes Mucunã. Porém, ao dar visibilidade para as mais diversas belezas, o projeto acabou desencadeando uma série de outras belas histórias. Para além dos irmãos Anderson e Roberta, outras amizades surgiram e foram firmadas, autoestimas foram elevadas e sonhos se tornaram realidade.

Para a modelo plus size Gabriela Conceição, 24, o projeto marcou um reencontro consigo mesma. A moradora do bairro de São Cristóvão, na capital baiana, conheceu o projeto por meio de uma amiga de infância e a partir daí a sua relação com o próprio corpo, espelhos e roupas se fortaleceu ainda mais. 

“Conheci o coletivo por indicação de Roberta. E por ser uma mulher negra, alta e gorda, tudo que chegava a mim era sempre negativo. Tenho costume de dizer que Roberta, Gil e Hilo me resgataram da falta de amor próprio ao me apresentar o Raízes. Estava em um momento frágil em minha vida e o dia da seleção eu nunca vou esquecer! Hoje, sou quem sou graças ao Raízes Mucunã, não sei o porquê, não sei descrever, na verdade só sei sentir. Sou muito orgulhosa de mim, da minha caminhada junto ao projeto” conta Gabriela.

Quem também achou no coletivo uma maneira de se reencontrar foi  Roseni do Nascimento, 41, mais conhecida como Rose Bombom, que por anos ignorou o sonho de ser modelo para criar as filhas. Imersa entre demandas da vida e nos afazeres da maternidade, ela precisou deixar a grande paixão de lado por duas décadas, até que avistou no Raízes Mucunã a chance de ser quem ela sempre quis. 

“Conheci o projeto através da minha filha mais velha. No dia da seleção eu estava muito insegura por nunca ter desfilado e não ter prática com o salto alto, mas mesmo assim coloquei a cara a tapa. Quando fui aceita, senti que finalmente estava me reencontrando e fazendo algo para mim” relembra Rose. 

Em janeiro de 2022, no final de uma seletiva, Rose abraçou a idealizadora do coletivo e não segurou as lágrimas ao refletir sobre toda a sua trajetória. Livre das amarras do etarismo, racismo, machismo e gordofobia, ela se viu capaz de finalmente modelar.

Desde então, os mais diversos modelos que bateram à porta do Raízes Mucunã foram recebidos com a valorização que mereciam. Repletos de acessórios ancestrais, maquiagens coloridas, roupas vibrantes, jovens, adultos e crianças, permeando todas as faixas-etárias, se empoderaram através das trocas entre si e perderam o medo das câmeras, das críticas e de serem felizes sendo corpos e pessoas reais.

“Raízes Mucunã vai além de beleza, o raízes é a realização de sonhos, desejos de jovens, anseios antigos que não morreram. Depois de muito tempo, é comum pensarmos que sonhar não faz mais parte de nós, mas é ao contrário… Não importa o tempo e a idade, sonhar é sempre o que nos faz seguir em frente”, disse a organização do projeto. 

CRESCENDO E PROSPERANDO 

O coletivo de moda trabalha com passarelas itinerantes que ocorrem semestralmente em diferentes regiões da capital baiana. Para participar das seletivas basta acompanhar as redes sociais do projeto (@raizesmucuna).

Com mais de 4 mil seguidores no Instagram, o projeto Raízes acumula em seu catálogo editoriais que valorizam a cultura e a beleza negra, como:

Pretos de Luxo, evidenciando a descendência real da população negra; Iaras, para homenagear a orixá Iemanjá; O bailinho do Raízes, que reverenciou o carnaval baiano; O afroamor, para destacar os diferentes tipos de laços amorosos afrocentrados; Entre os Becos e Vielas, que destacou a cultura periférica.

Um dos últimos editoriais do projeto foi Color Reverse, a fim de mostrar o contraste das cores com a pele negra. Confira clicks desse editorial:

Editorial Collor Reverse publicado no @raizesmucunã

Os editoriais de moda do projeto reúnem mais de 15 marcas, distribuídas entre fibras capilares, maquiagens, acessórios, vestimentas, calçados e cenário. Para a realização dos eventos, reuniões prévias são realizadas a fim de distribuir os modelos.

“Ao todo, movimentamos mais de 30 pessoas em um editorial, envolvendo produção, modelos e fotógrafos. Reunimos o casting kids e o adulto, como foi no último editorial”, diz Gil.

Conheça mais sobre o coletivo de moda: