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Com queda da vacinação, número de casos de sarampo volta a crescer na Bahia

Por Ives Joabe, Lorena Souza, Raiane Christina e Tiffany Duarte

Entenda como o processo de combate à pandemia da Covid-19 resultou na negligência de outra doença no estado

Em um momento em que o mundo todo voltou os olhos para a Covid-19, decretada oficialmente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia em 11 de março de 2020 e reconhecida pelo Brasil posteriormente, o sarampo e outras doenças que, há muito, eram vistas com atenção no país, acabaram ficando de lado.

Outro problema trazido como consequência da Covid-19 foi a retomada do movimento antivacina no mundo todo, com força especialmente no Brasil. A professora de metodologia científica e pesquisadora do movimento, Glícia Salviano Gripp, define que “o contexto político e sociocultural da mídia e da política são fatores determinantes na escolha de se imunizar ou não”.

Fomentado por teorias conspiratórias e à relação da população com o governo, em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) se posicionou diversas vezes contra a vacinação – o site Poder360 fez um levantamento de mais de 40 manifestações contrárias, apontando, inclusive, uma relação do imunizante contra a Covid-19 e o desenvolvimento da Aids, o movimento antivacina impactou no descuido de outras enfermidades, como o sarampo.

O que é o sarampo?

O sarampo é uma doença infecciosa aguda, viral e transmissível. A patologia considerada infectocontagiosa é provocada por um Morbilivirus e transmitida por secreções das vias respiratórias, como gotículas eliminadas pelo espirro ou pela tosse.

O tempo entre o contágio e o aparecimento dos sintomas é de cerca de 12 dias, mas a transmissão pode ocorrer antes deste tempo e estender-se até o quarto dia após o surgimento de placas avermelhadas na pele. Os sintomas da doença incluem mal-estar intenso, febre acompanhada de tosse, irritação nos olhos e nariz escorrendo ou entupido, o que, se assemelha muito a um resfriado normal ou aos próprios sintomas da Covid-19.

Ainda em 1968, o sarampo se tornou doença de cunho nacional, ano em que o Brasil registrou um surto de casos, que somavam 129.942 diagnósticos, segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).  Diante disso, houve uma mobilização para encontrar formas de prevenir a população, já que o contágio apresentava uma alta taxa em pessoas não vacinadas.

A doença, assim como a Covid-19, pode se tornar severa rapidamente. Dentre as complicações do sarampo estão inclusas outras enfermidades como pneumonia, encefalite, cegueira e, a depender da gravidade, o indivíduo pode ir a óbito.

O contágio da doença é maior entre crianças, sendo, inclusive uma das maiores causas de mortalidade infantil no país, de acordo com o Ministério da Saúde.

Drauzio Varella fala sobre o sarampo em seu canal no Youtube.

A vacinação como prevenção

A prevenção contra o Sarampo acontece, exclusivamente, por meio da vacinação. As vacinas de combate à doença fazem parte do calendário de vacinação infantil e podem ser oferecidas doses extras, em caso de epidemias. Atualmente, os imunizantes estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).

O calendário básico possui duas vacinas contra o sarampo. A primeira é aos 12 meses (1 ano) de idade junto com a tríplice viral que protege também contra rubéola e catapora. Além da primeira dose, tem o reforço que deve ser aplicado ao completar os 15 meses.

O impacto do negacionismo da vacinação contra Covid-19 em outras enfermidades

Com o surgimento da Covid-19 e a necessidade de vacinação, em um momento em que o mundo apresenta uma forte polaridade política, volta à tona também o movimento conhecido como antivacina, como mencionado anteriormente. O médico oncologista Drauzio Varella trata a retomada desta rede como a indução da população “a um suicídio”. 

“Alguém vacinado na infância, que não teve poliomielite, varíola, que não tem sarampo, e agora fala contra as vacinas… É como induzir a população ao suicídio.”

Drauzio Varella

Aliado ao retorno do movimento, que é bem antigo, surge também outro efeito negativo, resultado da atualidade: a disseminação de notícias falsas e duvidosas vezes pronunciadas por meio das redes sociais, mas apoiadas, inclusive, por autoridades mundiais importantes, como o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o chefe do Executivo brasileiro, Jair Bolsonaro.

Em 2021, o presidente brasileiro virou alvo de investigação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após associar, durante transmissão ao vivo, os imunizantes contra a Covid-19 ao desenvolvimento da Aids, em uma relação falsa.

“Relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados – quem são os totalmente vacinados? Aqueles que depois da segunda dose, né, 15 dias depois, 15 dias após a segunda dose, totalmente vacinados – estão desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido do que o previsto, recomendo ler a matéria”, afirmou o presidente à época, citando um falso documento.

Com a adesão de uma pequena parcela da população à um movimento que, há muito, não registrava tamanha proporção, a cobertura vacinal de outras doenças também foi reduzida.

A queda na cobertura vacinal do sarampo na Bahia

Existia no Brasil e, consequente a isso, na Bahia, um alto índice de vacinação contra o sarampo. Em razão desse cuidado, os números de mortes por conta da doença eram baixos e pouco se falava no assunto.

Assim sendo, os pais mais jovens não vivenciaram períodos de gravidade do sarampo em seus filhos, o que criou uma falsa sensação de que a enfermidades talvez não existisse mais.

Aliado ao movimento anti-vacina e a falta de atenção básica da saúde pública, que focava no momento no combate ao coronavírus, os dados sobre a vacinação começaram a ilustrar uma redução drástica da cobertura vacinal sobre a doença.

Dados da Secretaria de Saúde do estado da Bahia (Sesab), que o UJornalzinho teve acesso com exclusividade, mostram uma queda acentuada dos percentuais de vacinação ao longo dos últimos quatro anos da doença no território baiano.

Ainda de acordo com a Sesab, somente em 2019, foram confirmados 80 casos de sarampo na Bahia. Já em 2020, houve uma redução no número para apenas 7 casos. Contudo, a secretaria apontou que, a fim de prevenir uma possível epidemia, os agentes de saúde reforçaram as campanhas de vacinação contra o Sarampo em todo estado.

Em 2022, teve início em 04 de abril, a campanha contra o sarampo na Bahia. Até o dia 05 de maio, no entanto, já com um mês de campanha, foram imunizadas somente 3.150 crianças (de 6 meses a menores de 5 anos), o número equivale somente a 2% do público alvo.

A Sesab, portanto, mesmo com a atenção ainda voltada à Covid-19, promoveu campanhas para seguir o movimento de vacinação contra o sarampo no estado. Mas, a adesão da população foi extremamente abaixo do esperado, sendo a ser três vezes menor do que nos anos anteriores a pandemia.

Não é hora de errar

Em 1963, ano em que foi desenvolvida a primeira vacina contra o sarampo, o erro era uma possibilidade, justificado, talvez, pela falta de informação pública e conhecimento dos efeitos. Em 2022, no entanto, a realidade é radicalmente diferente.

Negligenciar um tema de saúde pública é, historicamente, responsável por danos irreversíveis. Atualmente, o Brasil conta com portais públicos de informações sobre a doença e como funciona a vacinação, como a Agência Fiocruz, além da Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde, que são de acesso irrestrito para fins de esclarecimento sobre o sarampo e diversas outras enfermidades.

Além disso, campanhas de vacinação acontecem anualmente na Bahia e em outras Unidades Federativas do país. Para mais informações, procure a Secretaria de Saúde do seu estado ou um posto de atendimento do SUS.

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