Parada Orgulho Louco em Salvador, 2009. Foto Divulgação

Contato afetivo cura!

A luta contra os abusos, negligências e preconceitos no tratamento psiquiátrico sofridos por pacientes transtornos mentais.

A luta contra os abusos, negligências e preconceitos no tratamento psiquiátrico sofridos por pacientes transtornos mentais.

Por Lorena Santana, Mariana Nogueira e Riane Bernardes

Começo de uma luta

Ato da Luta Antimanicomial realizado em Salvador em 2019. – Coletivo da Luta Antimanicomial.jpg

Sentir-se visto é um caminho para recuperar a dignidade. A psicóloga Cíntia Machado, especialista em saúde mental trabalha desde de 2013 no serviço substitutivo ao modelo manicomial, em entrevista online ao Ujornalzinho em junho de 2023 relata que o afeto e vínculo são primordiais para que o trabalho de tratamento mental seja desenvolvido com eficácia.

“A gente sempre fala que o vínculo é curativo, tudo começa a partir dele”, afirma a profissional fazendo referência aos trabalhos desenvolvidos no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), ambiente onde os serviços de tratamento psicológico são executados de forma afetiva.

O Movimento da Luta Antimanicomial defende os direitos das pessoas com problemas de saúde mental, dos preconceitos e negligências enfrentados nos tratamentos psiquiátricos. A luta defende o combate à ideia de isolamento da pessoa com transtorno mental em nome de pretensas atividades que contradizem a declaração universal dos direitos humanos, que assegura que todo ser humano nasce livre e igual em dignidade e direitos.  

A partir da perspectiva de uma nova visão do trabalho com a saúde mental, Cintia escolheu a profissão que exerce, ela explica que os trabalhos tradicionalmente realizados nos hospitais psiquiátricos não eram a forma adequada de lidar. Resumir tudo ao rotulo de loucura era jogar todos em um local comum, “através do contato que é possível fazer o resgate desse sujeito à realidade […]”, afirma.

O Movimento surgiu em 18 de maio de 1987, após uma série de protestos relacionados à saúde mental, que denunciavam os abusos feitos por instituições psiquiátricas. Com isso, vários movimentos realizados por profissionais de saúde evidenciaram a necessidade de uma reforma psiquiátrica no Brasil.

Movimento de Luta antimanicomial defende o direito ao cuidado em liberdade das pessoas com doença mental. Fotografia por Gabriela Barros

Todo mundo merece uma mãe

Ao ser sancionada a Lei 10.216/2001, nomeada “Lei Paulo Delgado”, que defende a proteção dos direitos das pessoas com transtornos mentais, houve o redirecionando o modelo de assistência. Assim, se estabelece a responsabilidade do Estado no desenvolvimento da política de saúde mental no Brasil. 

Uma das principais pioneiras na iniciativa de mudanças no tratamento psiquiátrico no Brasil, foi Nise da Silveira. O seu trabalho tinha como base a terapia por meio das artes com os pacientes internados no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II  no Rio de Janeiro. Nise dirigiu a sessão de terapia ocupacional da instituição de 1946 a 1974.

O artista e o poeta mergulham no inconsciente e voltam. Já o louco, o doente mental não tem o bilhete de volta. Essa é a diferença.

Nise da Silveira, mãe do tratamento psiquiátrico humanitário no Brasil.

Silveira defendia o combate a técnicas agressivas no tratamento dos pacientes, como o uso inadequado de eletroconvulsoterapia (eletrochoque), camisa de força, lobotomia, insulinoterapia e confinamento, ela entendia que a psiquiatra substitui esses tratamentos agressivos e pouco eficientes por aulas de pintura e modelagem, além de incluir animais para o reforço das relações emocionais e aumentar o senso de responsabilidade dos pacientes.

Durante a entrevista a psicóloga exalta que Nise da Silveira é uma da grande inspiração pessoal e profissional, “[…] embora tenha vivido em uma época que não se falava ainda, no sentido político, porque o processo de luta manicomial surge a partir da luta dos próprios usuários dos serviços de saúde metal e das famílias junto com os profissionais, Nise viveu, trabalhou e produziu, teoricamente, um pouco antes do movimento.”

Espírito de coragem!

Ato no Dia Nacional da Luta Antimanicomial no Rio de Janeiro, em 2018. Fernando Frazão/Agência Brasil

O modelo substitutivo ainda não oferece tudo o que propõe por falta de investimento público, por isso para ela é importante ser politicamente ativa e recorrer pelo que é necessário para o tratamento, como recursos de arte, oficinas diversas ou até mesmo materiais de trabalho.

O interesse em levar a psicologia nos locais onde a área não chegava, sobretudo para as populações mais excluídas socialmente, faz com que Cintia Machado escolha até hoje viver essa profissão. A partir do transtorno mental uma série de exclusões sociais estão agregadas, como de raça, classe ou de orientação sexual. Entendendo a força que trabalhos de contato com esse grupo tem, ela reforça durante toda a entrevista que a falta de amparo pede afeto, criação  de vínculos e um espaço de segurança.

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