Por Ilary Almeida
A moda brasileira está cada vez mais atenta à sustentabilidade, e a cotonicultura baiana desempenha um papel crucial nesse cenário. A Bahia, segundo maior produtor de algodão do Brasil, desde o início da colheita 2024, já teve 62% da área cultivada, e 20% do algodão baiano é destinado à indústria da moda, e vem se destacando não apenas pela qualidade de sua produção, mas também pelo comprometimento com práticas sustentáveis e a rastreabilidade do produto, desde o campo até as passarelas.
(Foto: Ilary Almeida)
Sustentabilidade ganha força no setor da moda
A moda está em constante evolução, e nos últimos anos, a sustentabilidade emergiu como uma das principais forças motrizes por trás das mudanças na indústria. O relatório da McKinsey & Company, aponta que a sustentabilidade é uma das principais prioridades para consumidores e marcas de moda. Em 2023, 67% dos consumidores globais afirmaram que levam em consideração aspectos de sustentabilidade ao comprar roupas, e 88% dos executivos de moda disseram que planejam aumentar os investimentos em práticas sustentáveis e rastreáveis nos próximos anos. As marcas estão cada vez mais pressionadas a adotar práticas que minimizem o impacto ambiental, e o algodão sustentável tornou-se uma peça chave nessa transformação.
Em entrevista, Silmara Ferraresi destacou como esses conceitos estão moldando o futuro da moda: “A sustentabilidade e a rastreabilidade estão se tornando elementos essenciais para a credibilidade e sucesso das marcas. Hoje, consumidores e empresas querem saber de onde vem o que estão comprando, e a Bahia está na vanguarda dessa tendência, oferecendo algodão com garantia de origem e produção responsável.”
Rastreabilidade, em termos simples, é a capacidade de monitorar o percurso do algodão desde o campo até o produto final, garantindo que todas as etapas da cadeia produtiva sejam verificadas e documentadas, envolvendo desde o plantio, passando pela colheita, processamento, transporte, até chegar ao produto final, seja ele um tecido ou uma peça de vestuário. Já a sustentabilidade, são práticas que minimizam os impactos ambientais e sociais negativos ao longo da cadeia produtiva, promovendo o uso eficiente de recursos e garantindo condições de trabalho justas. O algodão é reconhecido como uma fibra naturalmente biodegradável, e existem diversas práticas no Brasil que minimizam o uso de insumos químicos e otimizam o uso de água.
O projeto #SoudeAlgodão é uma iniciativa da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA), lançada em 2016, com o objetivo de promover o uso do algodão brasileiro na indústria da moda, buscando conscientizar o público sobre os benefícios do algodão, tanto para o meio ambiente quanto para a economia nacional, destacando que o algodão brasileiro é cultivado com práticas sustentáveis, incluindo o uso responsável de recursos e rastreabilidade.
Com uma forte presença em desfiles de moda, o #SouDeAlgodão promove parcerias com estilistas e marcas para incentivar a moda sustentável e reforçar o papel do algodão brasileiro na construção de um futuro mais responsável e ético na indústria têxtil. E sobre o projeto, Silmara fala que desde a criação, a rastreabilidade e sustentabilidade foram questões muito conversadas dentro da cadeia têxtil, desde quando começa o processo da matéria-prima começa na fazenda, que no caso é o algodão, até o varejo, que são os clientes engajados.
Ao ser questionada sobre as iniciativas que pretende tomar na promoção das práticas sustentáveis entre os produtores de algodão, Alessandra Zanotto, atual vice-presidente da ABAPA, fala que ‘‘tudo está alinhado à conectar pessoas, fazer trabalhos sociais de forma responsável, cuidar do meio ambiente de forma responsável.’’ Dentro da ZanottoCotton, existe o trabalho de aproveitar 100% do algodão que chega, e tem o trabalho muito forte de reciclagem do algodão, além de energia renovável através da usina solar que fornece 100% da energia para a algodoeira. ‘‘Meu grande objetivo dentro da ABAPA na presidência em 2025, é fazer com que o produtor tenha dados anuais de todos os trabalhos feitos, e principalmente do impacto que isso tem, não só no próprio negócio de maneira econômica que também é um pilar da sustentabilidade, mas um impacto social para o meio ambiente.’’
Práticas sustentáveis: desafios e oportunidades no mercado da moda
Embora a sustentabilidade esteja em ascensão, implementá-la na moda não é tarefa fácil. Silmara pontua que “os principais desafios enfrentados pelas empresas de moda ao implementar práticas sustentáveis e rastreáveis incluem a adequação das cadeias de suprimentos, o investimento em tecnologias verdes e a educação dos consumidores. Contudo, esses desafios são também oportunidades para inovação e para criar um diferencial competitivo no mercado.”
Ela acrescenta que as marcas que conseguem integrar esses valores em seus processos produtivos ganham não apenas em termos de imagem, mas também na fidelidade dos consumidores, que estão cada vez mais conscientes, exigentes e engajados nos produtos ofertados no mercado da moda. No mercado global, por exemplo, a marca Levi ‘s que é de jeans, oferece produtos feitos com algodão rastreável e sustentáveis, através do seu programa de abastecimento de algodão certificado pela BCI.
Rastreabilidade fortalece cotonicultura baiana e impulsiona setor
Luiz Carlos Bergamaschi, presidente da ABAPA, reforça a importância da rastreabilidade no contexto da cotonicultura baiana. Segundo ele, “embora a rastreabilidade seja uma exigência do mercado, ela é crucial para garantir a qualidade e a sustentabilidade do algodão que exportamos. Ela permite que cada lote de algodão seja acompanhado desde a plantação até o produto final, assegurando que ele atenda a todos os padrões exigidos pelos mercados mais exigentes.”
Essa rastreabilidade não só eleva o status do algodão baiano no mercado global, como também fortalece a confiança das marcas e dos consumidores. ‘‘Estamos investindo em tecnologias que garantem que todo o processo seja transparente e rastreável, o que é um diferencial importante no mercado atual, onde a sustentabilidade não é mais uma opção, mas uma exigência do mercado’’, afirma Bergamaschi.
Luiz Carlos Bergamaschi, presidente da ABAPA (Foto: Reprodução/ABAPA)
Moda sustentável redefine tendências de consumo para o futuro
Ao refletir sobre o futuro, Silmara Ferraresi destaca que a moda sustentável não é uma tendência passageira, mas um movimento que deve moldar o comportamento dos consumidores a longo prazo.‘‘A moda sustentável tem o poder de influenciar as tendências de consumo, criando uma demanda crescente por produtos que respeitem o meio ambiente e as comunidades envolvidas na sua produção. As marcas que se adaptarem a essa realidade estarão melhor posicionadas para o futuro.’’
Silmara acredita que a moda está entrando em uma nova era, onde a qualidade e a ética são tão importantes quanto o design. Além disso, reconhece que marcas como a Shein atendem à demanda por preços baixos, muitas vezes ignorando questões éticas. Questionada sobre como a moda sustentável pode influenciar as tendências a longo prazo, ela diz ser difícil mensurar os benefícios econômicos por estar em um projeto piloto, na rastreabilidade de ponta a ponta e em outros setores, a rastreabilidade é um assunto novo.
“Estamos vendo uma mudança de paradigma, onde o valor de um produto vai além do material ou do trabalho envolvido, incorporando aspectos como responsabilidade social e ambiental.’’ Silmara ainda cita a pesquisa da locomotiva: ‘‘as pessoas podem não estar dispostas a pagar mais por uma peça que é sustentável e rastreável, mas elas estão dispostas a deixar de comprar de uma marca que não tenha esses comprometimentos. Isso explica muito pra onde vai o comportamento do consumidor nos próximos anos e precisa haver um preparo enquanto marca para atingir os anseios dos consumidores.’’
Silmara Ferraresi, diretora de relações institucionais da ABRAPA (Foto: Reprodução/ABAPA)
Origem do algodão se consolida como base essencial da moda
Conhecer a origem do algodão utilizado na produção de roupas não é apenas uma questão de preferência, mas de responsabilidade. A rastreabilidade permite que marcas e consumidores saibam exatamente de onde vem o algodão, como o Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), que permite que marcas verifiquem a origem do algodão diretamente das fazendas certificadas, não apenas confirmando que ele foi produzido seguindo práticas sustentáveis, mas também fortalecendo a confiança entre marcas e consumidores, criando um ciclo de consumo mais consciente e responsável. Consumidores falam que é de extrema importância saber sobre a origem do algodão para que se vier ter algum problema, já tem alguns caminhos para tentar resolver o problema.
O algodão produzido nas terras da Bahia é o fio que tece um novo capítulo na história da moda, onde cada peça carrega consigo não apenas estilo, mas também uma promessa de um mundo mais justo e sustentável. Neste cenário, a cotonicultura baiana emerge como uma força transformadora, capaz de influenciar não apenas as tendências de moda, mas também de inspirar uma mudança profunda na maneira como o mundo produz e consome. O impacto da Bahia na moda brasileira é apenas o começo—um prenúncio de uma revolução que, liderada pela sustentabilidade, tem o potencial de redefinir o que significa ser moda no século XXI.
(Foto: Ilary Almeida)