Produção de algodão herbáceo (em caroço) gerou mais de R$ 3,2 bilhões no ano de 2022. Divulgação/Abapa

Cotonicultura: o coração do oeste baiano

Produção de algodão movimenta economia do estado, incentiva a educação e fortalece identificação cultural de 30 municípios

Por Millena Marques

Tal qual o coração para o corpo humano, assim é a produção de algodão para o oeste da Bahia. O cultivo da fibra, denominado de cotonicultura, é responsável por movimentar a economia de 30 municípios baianos e potencializar o crescimento da agricultura no estado: em termos absolutos, a produção de algodão herbáceo (em caroço) gerou mais de R$ 3,2 bilhões no ano de 2022, de acordo com os dados da Pesquisa da Produção Agrícola Municipal (PAM), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no último dia 14.

Em solo baiano, o maior produtor da commodity é o município de São Desidério, com um registro de 488.267 toneladas de algodão no ano passado, seguido por Formosa do Rio Preto (mais de 195 toneladas) e Correntina (mais 171 toneladas). Dos dez maiores produtores de algodão da Bahia, nove estão no Oeste. Isso porque a topografia plana, o clima seco e os períodos marcados por chuvas são fatores que contribuem para resultados melhores da cotonicultura, como explicou Mariana Viveiros, supervisora de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia.

“A topografia plana facilita o uso intensivo de máquinas, enquanto o clima seco evita a incidência de pragas e doenças. Além disso, a região possui uma luminosidade alta o ano inteiro e períodos marcados por chuvas, o que facilita a produção”, pontuou Viveiros. Depois de São Desidério, Correntina e Formosa do Rio Preto, estão Riachão das Neves, Barreiras, Jaborandi, Luís Eduardo Magalhães, Baianópolis e Cocos.

Desde 2004, a Bahia ocupa a vice-liderança nos índices nacionais de produção de algodão, sempre atrás do Mato Grosso, que possui uma área plantada quase quatro vezes maior do que o segundo colocado. Em 2022, eram 303 mil hectares baianos contra 1,19 milhão mato-grossenses. A produção baiana corresponde a 21,1% da safra nacional, enquanto o Mato Grosso detém 68,5% da produção e 70,8% do valor gerado pela cotonicultura brasileira –  R$ 23,5 bilhões de R$ 33,1 bilhões. 

Fazenda Santa Isabel, do Grupo Franciosi (Foto: Yurika Hidaka)

De acordo com a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), a área plantada em solo baiano neste ano é um pouco maior: 305,8 mil hectares no oeste e 6,7 mil no sudoeste, esta última que corresponde às produções das cidades de Candiba, Pindaí, Urandi, Guanambi, Palmas de Monte Alto, Malhada, Bom Jesus da Lapa, Iuiu, Caculé, Lagoa Real, Brumado, Tanhaçu, Livramento de Nossa Senhora, Rio do Antônio, Malhada de Pedras, Igaporã, Sebastião Laranjeira e Carinhanha. No oeste, 92,58% de área já foi colhida, e a produtividade foi de 332,31 arroba/hectare. No sudoeste, 98,81% foi colhido e a produtividade foi de 85,75 arroba/hectare.  

Presidente da Abapa, Luiz Carlos Bergamaschi avaliou positivamente o ciclo 2022/2023. “Tivemos os maiores custos de produção dos últimos 20 anos, em função dos preços dos fertilizantes, que foram impactados pela guerra na Ucrânia e pelo rescaldo da pandemia, com uma recessão mundial. Adicionalmente, os preços das commodities estão pressionados. O que pode amenizar um pouco esta conjuntura é a produtividade”, disse Bergamaschi. 

Para a temporada 2023/2024, o Brasil mantém a quarta colocação no ranking dos maiores produtores mundiais, segundo dados da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa). O levantamento também aponta a segunda posição no ranking de exportação, atrás dos Estados Unidos. A estimativa é de que o Brasil exporte 2,04 mil toneladas, enquanto os EUA devem exportar 2,7 mil toneladas.  

Empregabilidade e crescimento de uma cidade

As extensas plantações alvas da cidade de Luís Eduardo Magalhães formam uma combinação mais que encantadora com as nuvens celestes. Muito mais que uma paisagem digna de obras de arte, as fazendas representam crescimento socioeconômico, fomento à educação e identificação cultural de um município relativamente novo – LEM foi emancipada em 2000, cinco anos depois do algodão chegar ao oeste. 

No ano de emancipação, pouco mais de 18 mil pessoas moravam na cidade. Vinte e três anos depois, a população de LEM é quase seis vezes maior: mais de 107 mil habitantes, de acordo com o último Censo Demográfico, de 2022. Sem hesitar, o economista Dieter Weissenstein apontou um fator primordial para o crescimento vertiginoso: o cultivo do algodão. “Não falta emprego aqui. Além da própria produção, uma cadeia produtiva da fibra demanda uma algodoeira, uma fábrica dentro da fazenda que transforma a pluma em algo mais estruturado, para separar caroço, fibrilha, etc”, disse. 

Quem enxergou o potencial de crescimento socioeconômico da cidade foi a gerente de Recursos Humanos Daniela Pavanelo, 40 anos. Em 2008, a gaúcha deixou o estado natal em busca de oportunidade de emprego no oeste baiano, onde inicialmente trabalhou em concessionárias do agronegócio. “Eu vim para Luís Eduardo em busca de desenvolvimento profissional. Hoje, posso dizer que vivo um sonho”, disse a gerente, colaboradora do Grupo Franciosi desde 2019. 

A cadeia produtiva do algodão exige um número maior de colaboradores na época de colheita e beneficiamento (processo de separação da fibra e do caroço). Segundo Pavanelo, na Fazenda Santa Isabel, pertencente ao Grupo Franciosi, mais de 500 pessoas são empregadas entre julho e outubro. “A produção de algodão é um norte para muita gente. Trabalho com pessoas que começaram em tarefas mais simples, que não exigiam uma qualificação específica, e que conseguiram alcançar postos de trabalho muito bons”, pontuou. 

Daniela Pavanelo, gerente de Recursos Humanos do Grupo Franciosi (Foto: Millena Marques)

Esse desenvolvimento profissional não é restrito ao Grupo Franciosi. O analista de produção Vitor Ramos, 30, ingressou na empresa Icofort, terceira maior esmagadora do caroço de algodão no Brasil, como auxiliar de almoxarifado, em 2011. Em um novo cargo há três anos, o santo-antoniense destacou a importância da cotonicultura para a própria vida. “Para mim, o algodão é tudo. Sem essa matéria-prima, eu não seria nada. A Icofort não existiria, por exemplo, e eu não teria essa oportunidade de crescimento”, pontuou o analista, que cursa o oitavo semestre Engenharia de Produção, com um apoio financeiro da Icofort – a empresa paga 30% da mensalidade do curso.

Vitor Ramos, analista de produção da Icofort (Foto: Yurika Hidaka/Abapa)

Abapa

Fundada em 31 de maio de 2000, a Abapa foi criada com o intuito de estabelecer uma relação transparente entre cotonicultores do estado e promover o cultivo de algodão nas esferas social, econômica e política. A entidade possui sedes nas cidades de Luís Eduardo Magalhães, Barreiras e Correntina e é responsável por desenvolver inúmeros projetos que vão além do algodão, como a Patrulha Mecanizada, projeto financiado pelo Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) e executado pela organização. 

Criada em 2013, a iniciativa tinha o objetivo de recuperar os 7 mil quilômetros de estradas vicinais, com o auxílio de máquinas adquiridas por meio dos recursos obtidos junto ao IBA. Ao longo da década, o projeto asfaltou 230 quilômetros de rodovias e realizou a manutenção de mais de seis mil quilômetros, em mais de 50 estradas vicinais da região, onde aproximadamente 200 mil caminhões trafegam todos os anos, como aponta a associação. Além de beneficiar os motoristas que passam por essas estradas, o projeto é mais um símbolo de geração de empregos: ao todo, 113 colaboradores fazem parte da Patrulha. 

É comum que construtoras dispensem funcionários em períodos chuvosos. No entanto, a gerente da do projeto, Daniella Dias, garantiu que a Abapa mantém os seus colaboradores, para que não sejam prejudicados. “Mantemos esses colaboradores em casa durante o período de chuva e trabalhamos com banco de horas, devidamente organizado junto ao Ministério Público do Trabalho e ao sindicato. Eles fazem as horas e, no período chuvoso, abatemos, mas todos recebem o salário de forma integral”, pontuou.

Patrulha mecanizada asfaltou 230 quilômetros em uma década (Foto:Divulgação/Abapa)

Além da Patrulha Mecanizada, a associação possui o Programa Fitossanitário, responsável por desenvolver estratégias eficazes de controle de pragas, e o Conhecendo o Agro, iniciativa criada para aproximar professores e estudantes das redes pública e privada de ensino à cadeia produtiva do algodão. Para ter acesso aos projetos desenvolvidos pela Abapa, clique aqui. 

*Com orientação da professora Talyta Singer

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