O pandemia de Covid-19 afetou a saúde em geral das pessoas, inclusive das que atuam na área de Saúde. Muito se esperava, no desespero, que os médicos fossem aqueles que salvariam os necessitados, mas poucos se atentaram ao lado humano, no qual aquela responsabilidade e conhecimento ainda não tinham sido descobertos por esses profissionais já que também era uma novidade para eles. O Dr. Rafael Caetano, Psicogeriatra do Hospital Santo Antônio, de Salvador, destacou o impacto da pandemia na medicina, tanto o lado negativo quanto o positivo, além de apontar situações nos hospitais e até na política, que afetaram diretamente no avanço da qualidade e eficiência dos tratamentos.
” Eu acho que ninguém da área de saúde realmente estava pronto mentalmente, sabe? Nunca pensamos que iríamos vivenciar uma pandemia mas sabíamos que era o nosso trabalho como médicos, médicas, enfermeiros e as demais áreas.
“Eu tive bastante medo, não vou negar, já que minha esposa estava grávida na época e ainda trabalhava, mesmo que não fosse na linha de frente, ainda estava ali. Não tínhamos a menor ideia de como realmente combater o vírus, tínhamos conhecimento apenas de que era um vírus e era desconhecido. Tivemos que lidar com o incerto, tivemos que estar preparados para administrar crises, embora na área da saúde isto até seja corriqueiro. Só que nada é parecido com o que já tínhamos vivenciado. Portanto, esse aprendizado veio para ficar. O cenário da saúde pública e privada não será mais o mesmo e os serviços e operações se tornarão mais preparados.”, relata Rafael.
UJornalzinho: A falta de uma estratégia única de enfrentamento à COVID-19 no país afetou a forma de tratamento/seriedade da população?
Rafael Caetano: Ah, com toda certeza! Como eu falava na época, a cada atrocidade que nosso presidente gostava de falar, eu sentia raiva. Eram vidas, pessoas, que ele menosprezava, as ações que eram inexistentes! Eu sou geriatra e na época, acompanhei diversos casos de pessoas em desespero, de senhores e senhoras sofrendo tanto do isolamento quanto das dores de seus tratamentos. Era doloroso ver as pessoas tentando ter esperanças e serem escrachadas com desdém, com… Com as falas e atitudes absurdas. Vou até me conter. Fora Bolsonaro, Lula 2022. … Então, isso afetava também como a população achava de tudo, como também existiam pessoas que não não se importavam com nada e nem mesmo usavam máscaras. Foi um período muito sobrecarregado pra gente (da área de saúde) que precisava lidar com pessoas adoecendo e morrendo o tempo todo de forma mais rápida, entende?
U: Quanto tempo levou essa adaptação de estrutura ao novo cenário?
R: Infelizmente, levou tempo. Não tivemos uma reação tão rápida quanto gostaríamos de ter tido, novamente, voltamos à seriedade de tratar como se fosse uma gripezinha simples. Mas todas as instituições tiveram que se adequar diante da grande demanda criada pela variante, adaptação pode ser a palavra que mais resume esse momento para os hospitais e a integração é o grande legado. Lógico que, estruturalmente, há ganhos que se forem mantidos para o futuro serão fundamentais para a nova realidade que deve compor o cotidiano. Mas a construção de um trabalho totalmente integrado é o mais citado quando o assunto se torna o aprendizado com essa pandemia. A gente passou por várias coisas. Desde a fase inicial que a gente tratava como se fosse uma sepse normal, que é uma infecção generalizada. Depois, começaram a chegar algumas informações, principalmente da Itália, do que dava resultado por lá e o que não dava.
U: Depois de todo esse tempo, como podemos avaliar em que momento Salvador está diante da pandemia?
R: Eu acho que estamos em um limbo, entende? Temos que nos adaptar, tomar as doses da vacina e manter o cuidado e higiene.
A utilização das máscaras foi e sempre será importante daqui para frente. Está resfriado? O que custa usar uma máscara para conter se não puder ficar em casa? O que custa usar álcool depois de tocar numa superfície suja da rua?
As máscaras são utilizadas para garantir a proteção das vias respiratórias. Compreender a forma de transmissão de uma doença é essencial para adotar medidas de proteção eficientes, por isso a utilização das máscaras e a limpeza com álcool. São coisas que podemos usar daqui em diante, não custa nada.
U: Muitos de nós temos curiosidade. Conte um pouco sobre sua rotina durante a pandemia.
R: Quando foi lá pra março, eu vi que a doença estava se espalhando pelo mundo, tinha acabado de chegar aqui no Brasil. A pandemia exigiu mais de nós, física e emocionalmente. Lidamos com uma quantidade maior de pessoas internadas, algumas precisam ficar internadas por vários dias e, por conta da pandemia, muitas ficam sem acompanhante. Então nós, profissionais de saúde, ficamos responsáveis por todos os cuidados. E precisamos trabalhar o tempo todo completamente paramentados, o que é mais cansativo e nos leva a fazer menos intervalos para comer ou ir ao banheiro, já que para isso é necessário retirar todo o equipamento e cuidar para evitar os riscos de infecção. Eu não via a minha mãe, minha família e cheguei a fazer plantões que duravam muitas semanas. Eu sentia falta deles e rezava para que tudo ficasse bem. Eu apenas tinha minha esposa, Jéssica, e a sua família que sou eternamente grato. Eles faziam um feijão forte com abóbora depois de horas e horas de plantão pra gente comer e se sentir bem. Foi nossa salvação, não tínhamos forças pra fazer comida e até comer algumas vezes.
U: Você trabalha no Hospital Santo Antônio quando houve o surte de Covid-19, correto? Como foi a situação?
R: Ah… Foi um desespero. Eu lembro como minha esposa veio me contar. Ela era enfermeira na época e estávamos trabalhando na mesma área. Eu estava cansado depois de um plantão de 24×72 e ela havia acabado de entrar em seu horário quando me contou o que estava acontecendo no jornal. Eu não tinha parado pra fazer nada, só precisava dormir e voltava direto pra sala. Enfim, Jéssica estava preocupada quando me viu e disse que estava tendo surtos pelo hospital e que muito provavelmente estivéssemos contaminados também. Eu fiquei muito assustado na hora. Ela parecia estar tensa e eu só conseguia ficar com medo de acontecer algo com ela. A gente estaria mentindo se disséssemos que estávamos preparados pra algo assim, sabe?
A gente estava combatendo a Covid-19 e era tão cansativo ver as pessoas implorando por ar que eu temi ser a minha vez de fazer isso. Eu confesso que quase chorei, Jéssica (minha esposa) disse que iríamos ficar bem e eu rezei pra Irmã Dulce o plantão inteiro.
Fizemos o teste assim que foi solicitado e acabamos por dar positivo. Fomos mandados pra casa e só podíamos ir para um hospital caso os sintomas piorassem. Ficamos isolados em casa e a nossa família nos ajudou muito, não tivemos sintomas fortes, apenas o cansaço constante e um pouco de falta de ar. Eu rezava dia e noite pra Dulce, não posso negar. Conseguimos passar pela Covid-19 e ainda descobrimos depois que Jéssica estava grávida e que o bebê estava bem. Foi um… Foi um milagre mesmo. Eu me emociono só de lembrar pois eu estava com medo e ela parecia estar tão segura e firme.
U: Gostaria de fazer algum comentário final?
R: Por favor, tomem a vacina. A máscara ainda é muito importante, a Covid-19 não acabou e o Brasil ainda não está “bem”. E se cuidem, o que custa usar uma máscara quando estiver tossindo? O que custa lavar as mãos e não levar até os olhos ou boca? A gente também esqueceu-se da higiene básica e isso está sendo explícito nessa pandemia. Não escutem um presidente maluco, a Covid-19 não é uma gripezinha e vocês podem morrer sim… E Lula 2022, claro. (risos)