Texto e ilustrações por Amanda Cunha
De um solo árido e improdutivo a uma das maiores regiões produtoras de algodão do mundo, a agricultura no oeste baiano evoluiu com a necessidade e se tornou a resposta aos desafios do setor agroindustrial.
A agricultura em regiões áridas e semiáridas, como o Cerrado baiano, é crucial para o desenvolvimento econômico e social. Considerada a savana mais rica do mundo, o Cerrado é uma área vasta em biodiversidade, e a produção agrícola, especialmente a cotonicultura, representa uma importante fonte de renda e emprego, porém o solo dessa região nem sempre foi o melhor amigo do agricultor.
Júlio Cézar Busato, ex-presidente da ABAPA (Associação Baiana dos Produtores de Algodão) e ABRAPA (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão), conta que ao chegar na Bahia vindo do Rio Grande do sul no final dos anos 80, encontrou um Cerrado ainda mal aproveitado, mas não deixou de acreditar no potencial dessa região.
Júlio ainda comenta que antes de 1999, a produção de algodão no Brasil, especialmente no sertão baiano, era caracterizada por baixa produtividade, limitação de mercado, uso de uma agricultura extremamente tradicional e problemas severos com pragas. Com isso, em meados dos anos 80, a manufatura da cotonicultura começou a declinar, em especial por conta da praga do bicudo-do-algodoeiro que dizimou mais de 60% da área de plantio da Bahia e deixou mais de 800 mil pessoas desempregadas. Segundo estudos feitos pela Embrapa Algodão, hoje em dia, essa praga provoca perda média de 11% da safra.
Os desafios da agricultura no Cerrado
A pesquisa desempenha um papel fundamental na criação de cultivos adaptados ao solo do Cerrado, um dos biomas mais importantes para a agricultura no Brasil. O Cerrado, que abrange grande parte do Centro-Oeste e parte do Nordeste, é conhecido por seus solos pobres em nutrientes, alta acidez e condições climáticas desafiadoras. Nesse contexto, o desenvolvimento de cultivares adaptadas tem sido essencial para transformar o Cerrado em uma das regiões agrícolas mais produtivas do mundo.
Até o final dos anos 1990, o cultivo de algodão no Brasil era predominantemente baseado em técnicas tradicionais, com pouco uso de mecanização e irrigação moderna. As práticas de manejo do solo e controle de pragas também eram limitadas, resultando em menores rendimentos e maiores custos de produção.
Os cultivos vinham, principalmente, de pequenas propriedades de agricultura familiar, que dificilmente conseguiria competir com os produtores estrangeiros que possuíam mais tecnologia e edafoclimáticas mais favoráveis ao plantio. E com a qualidade inferior ao de países como os Estados Unidos e China, o algodão brasileiro trabalhava exclusivamente para abastecer o mercado interno.
A partir de 1999, com a migração de produtores de algodão do Sul e Sudeste para o Cerrado, principalmente no oeste baiano e Mato Grosso, houve uma grande revolução na produção de algodão no Brasil. Essa mudança foi impulsionada pelo uso de tecnologia moderna, mecanização, irrigação e novas variedades de sementes mais resistentes.
Em entrevista, Silmara Ferraresi, diretora de relações institucionais da ABRAPA e representante da iniciativa Sou de Algodão, comenta sobre a importância aos mínimos detalhes na indústria:
Com a melhora dos plantios, a preocupação com a qualidade das safras se intensificou ainda mais, fazendo laboratórios mais eficientes para controle dos fardos e surgindo iniciativas como a Better Cotton, que apresenta propósitos em sustentabilidade com comunicação estratégica, ajudando a rastrear o algodão que produzimos, levando mais confiabilidade para o mercado comprador externo.
Essas transformações levaram o Brasil a se tornar um dos maiores produtores e exportadores de algodão do mundo, ultrapassando os Estados Unidos na safra 2023/24, respondendo agora como o maior exportador de algodão do planeta. E em produção, atualmente só perde para China e Índia, com 14,57 milhões de fardos colhidos no ano passado, segundo o site AgroAdvance.
Transformação do Cerrado e atuação da ABAPA
Com a necessidade surgindo após as décadas passadas serem de bastante angústia para os produtores da cotonicultura, surge no ano 2000 a ABAPA, a Associação Baiana dos Produtores de Algodão. A associação desempenhou um papel crucial na transformação do cultivo do algodão na Bahia, especialmente no oeste do estado.
Para aumentar a eficiência da agricultura no Cerrado, a ABAPA começou a oferecer suporte técnico aos produtores de algodão, ajudando na implementação de boas práticas agrícolas, no melhor manejo do solo, no combate a pragas, como o bicudo-do-algodoeiro, e no aumento da eficiência no uso de recursos. Após 1999, a produção passou a ser realizada em larga escala, com o uso de alta tecnologia e foco nas iniciativas ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance), o que tornou as empresas mais sustentáveis e bem geridas. Além de programas de capacitação e treinamentos constantemente promovidos para disseminar tecnologia e inovação no campo.
Os cultivos de algodão ocupam 0,55% do estado da Bahia e 0,2% do território nacional. Mesmo com menos área, a produção é capaz de ser mais rentável e eficiente que os Estados Unidos que possui mais que o dobro desse espaço, conseguindo assim produzir mais em menos território.
Perspectivas futuras para o cenário
Com a forte iminência das consequências causadas pelas mudanças climáticas, a agricultura como um todo começou a pensar mais nas condições do futuro e nas responsabilidades do presente.
A pesquisa na criação de cultivares adaptadas ao solo do Cerrado é um dos pilares da transformação agrícola e social nessa região, que passou de uma área considerada improdutiva para se tornar uma das mais importantes para a produção de alimentos e fibras no mundo. Esse avanço foi possível graças ao desenvolvimento de cultivares que aproveitam ao máximo o potencial dos solos do Cerrado, garantindo maior produtividade, sustentabilidade e competitividade, além de mitigar os impactos ambientais e climáticos. Gerando resultados premiados como em 2020, no qual a ABAPA ganhou o prêmio ANA (Agência Nacional de Águas) pelo trabalho de identificação, proteção e recuperação de nascentes na região oeste da Bahia.
Empresas como a Zanotto Cotton, dirigida por Alessandra Zanotto Costa, futura presidente da ABAPA e atual vice, tornaram possível a amalgamação entre agricultura de larga escala com sustentabilidade social. A empresa possui iniciativas de uso de energia renovável na unidade de beneficiamento, uso de plantio direto e de insumos biológicos. Além do reaproveitamento de quase tudo originário das colheitas, desde o caroço aos revestimentos usados para enrolar os módulos de algodão.