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Da literatura para o mundo real

A Poliafetividade abre discussões dentro da sociedade

Por R.Oliveira

Já dizia Carlos Drummond de Andrade em “Quadrilha”: “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.”

Escrito nos anos de 1930, e contemporâneo do Código Civil Brasileiro de 1916, a poesia se reinterpretada para o século XXI em que vivemos, teria um olhar mais empático e possibilitaria que todos os indivíduos da poesia, pudessem amar uns aos outros. E isso tem nome: Poliafetividade.

O Poliamor, propriamente dito, tem diversas definições não somente em estilo como também em conceito. A palavra “Poliamor” traduzida do inglês polyamory, em sua etimologia, é considerado um vocábulo híbrido, onde poly que vem do grego, e significa muitos, e amore que do latim significa amor.

A partir dessa breve conceituação e do hibridismo das palavras, pode-se compreender e descrever que há múltiplas relações interpessoais amorosas, que negam a monogamia, tanto como princípio, quanto uma necessidade.

NO BRASIL

No Brasil, essa temática tão recente, fez com que judiciário se debruçasse sobre o tema e decidisse, no momento, sobre os impasses no mundo jurídico.

Tudo isso começou em 2012, na cidade de Tupã em São Paulo, onde uma tabeliã escriturou pela primeira vez uma União Estável Poliafetiva, que seria uma escritura de União Estável geralmente voltada para casais cis héteros e homossexuais, porém, voltada para os trisais poliafetivos. Com o alvoroço causado, outras duas cidades também escrituraram a União Estável Poliafetiva, como Rio de Janeiro-RJ e Jundiaí-SP.

De acordo com especialistas na área de Direito Civil no âmbito do Direito das Famílias, como a Tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, em seu artigo “União Poliafetiva. Por que não?”, ela entende que qualquer grupo de pessoas poderia formalizar uma união estável (seja um homem e duas mulheres, uma mulher e dois homens, três homens, três mulheres) desde que não contrariem os artigos 1.723 e 1.521 do Código Civil Brasileiro, os quais abordam a composição da União Estável e dos impedimentos matrimoniais, respectivamente.

A tabeliã ainda afirma também que o registro da união estável poliafetiva, por meio da escritura pública, está baseada nos princípios da afetividade, elemento que representa uma nova base do Direito de Família; da dignidade da pessoa humana, da personalidade, da autonomia da vontade e da não discriminação.

INTERPRETAÇÕES JURÍDICAS

Em 2016, no ápice dessa novidade jurídica, a Ministra do CNJ, Nancy Andrighi, emitiu no Diário da Justiça Eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o Comunicado Nº 572/2016, onde recomendava a não escrituração das uniões estáveis poliafetivas.

Com esta recomendação, juristas como a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Comissão de Direito de Família do Instituto dos Advogados de São Paulo, comemorou a decisão da magistrada, pois o reconhecimento dado pelos agentes notariais ofende a dignidade dos envolvidos, pois este “insulto” servirá de componentes para a “destruição da família”.

O entendimento da advogada se dá no Código Civil, a monogamia é um princípio, que tem um lastro de influência do Cristianismo e da Igreja Católica. Por conta do entendimento de a monogamia ser entendida como um princípio, a doutrina que segue essa linha, descarta todo e qualquer tipo de relacionamento poligâmico.

TRISAIS

No entanto, em Campo Grande/MT o Trisal R*, A* e A* (nomes suprimidos para a não identificação real dos entrevistados) entendem que a monogamia é uma imposição social, principalmente em países de religião católica.

Para A* a escolha pela não monogamia adveio de sua primeira experiência com uma mulher, e quando se envolveu com homens, ela se casou com uma pessoa que entende suas escolhas e que decidiu viver a experiência juntos.

A* ainda diz que: “sou contra a proibição, porém, se legalizado, teria que ser com regime de bens igual em um relacionamento monogâmico.”

Na experiência de D*: “acredito que gostar verdadeiramente de uma pessoa não envolve posse. Acredito que quando há sentimento verdadeiro, queremos ver a pessoa feliz e satisfeita” que ainda completa dizendo que o registro em cartório do relacionamento dos trisais deveria ser permitido.

Por outro lado, o advogado Marcos Alves da Silva explica que o comunicado é somente uma recomendação, e não uma proibição. Ele ainda diz: “A declaração de união estável entre dois homens é considerada por boa parte da população brasileira uma ofensa aos bons costumes; todavia, o STF considerou tal união família e o CNJ, por meio de Resolução, estabeleceu que os cartorários não podem se negar a realização de habilitação para o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

(…)

Ora, como poderá, agora, o CNJ evocar a moral ou bons costumes para vedar a feitura de escritura pública declaratória de união estável poliafetiva? Cada pessoa, cada família, cada grupo religioso ou associativo pode e deve reger-se pelos princípios morais que julgarem adequados, mas não têm o direito de fazer de tais princípios normas estatais impositivas a todos os cidadãos de um Estado que se declara laico, democrático e plural.

Apesar do entrave de entendimentos, no Brasil há decisões que vão na linha seguida pela Tabeliã e do advogado, como por exemplo, no julgamento de 2008 da Apelação Cível de nº296862-5 da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, adotou um posicionamento contrário ao STF  e ao STJ, acolheu a tese levando em consideração a autonomia privada dos indivíduos, que estavam em uma relação simultânea além de garantir os direitos sucessórios e previdenciários dos envolvidos.

DRAMATURGIA

Além disso, o Jornalista Lauro Jardim, produziu uma Série Documental de 10 episódios para o Canal Fechado GNT, onde eram entrevistados pessoas que viviam abertamente a Poliafetividade e que tinham uma vida normal.

Na teledramaturgia, na novela Avenida Brasil, o personagem Cadinho se relacionava com duas mulheres que se aceitavam e também aceitava a relação. Outros exemplos de novelas com a mesma temática são Sétimo Guardião e Segundo Sol.

Além desses exemplos da televisão brasileira, há também séries de plataformas de streaming como Eu, Tu, Ela e SWAT, onde neste último, uma policial da SWAT de Los Angeles, ela é bissexual e entra numa relação com um outro casal, porém, a temática é tratada de forma um pouco menos aberta.

Sendo princípio ou sendo uma imposição social, a monogamia está na vida do brasileiro há séculos por influência da Igreja Católica e que consequentemente influencia na forma como o legislador edita as leis que regem a nossa convivência em sociedade.

 

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