De roupas às telas de celulares: os variados produtos feitos com algodão

Como o algodão pode se transformar em máscaras hospitalares, óleo de cozinha e até mesmo em cédulas de real

Por Lucas Pereira

Que os tecidos feitos de algodão possuem uma alta qualidade e são extremamente confortáveis, todo mundo já sabe, mas muita gente desconhece que com esse material é possível fazer uma gama enorme de produtos para além da indústria têxtil. É verdade que a música “Somos Quem Podemos Ser”, dos Engenheiros do Hawaii, diz que as nuvens não são feitas de algodão, porém, essa fibra natural está muito presente no cotidiano das pessoas nas áreas alimentar, financeira e até mesmo tecnológica, em produtos que muita gente sequer imagina.

Produtos derivados de algodão
Ilustrativo/Freepik e Pexels

Produtos Variados

Se aquela marca de lã de aço famosa usa o bordão de que o produto possui “mil e uma utilidades”, o mesmo pode ser dito sobre o algodão. Esse material apresenta uma versatilidade enorme e quase toda sua composição consegue ser reaproveitada em outros produtos. Atualmente, a região Oeste da Bahia ostenta a marca de segundo maior produtor de algodão do país, tendo a cidade de Luís Eduardo Magalhães como principal polo da cotonicultura local, que aloca os elementos que compõem a cadeia produtiva do algodão, com as plantações e usinas de tratamento e beneficiamento do material.

Uma vez maduro, ainda nas plantações, o fruto do algodoeiro tem sua composição estruturada por pluma, sementes, folhas e caule. Daqui, até os últimos conseguem ser aproveitados e tudo acaba se transformando em produtos que estão presentes na vida das pessoas.


Imagens: Lucas Pereira

Da fibra, por exemplo, são feitas camisas, calças e outros itens de vestuário. Além disso, um outro produto, muito utilizado durante a pandemia de Covid-19 também possui algodão em sua essência: às máscaras hospitalares.

Das sementes ou caroços, se extrai o óleo de algodão, que pode ser aplicado em vários setores. Do ramo alimentar, esse produto, diferentemente do seu semelhante feito de soja, não deixa cheiro ou sabor nos alimentos. Saladas também podem receber um derivado desse material, a partir do uso de maioneses. Na indústria de beleza, mais que a pluma usada para tirar os produtos aplicados no rosto, existem maquiagens feitas à base do óleo do algodoeiro.

O algodão também está na economia, mais literalmente do que pode se pensar. Uma vez que a composição da fibra é essencialmente celulose, as cédulas de real contém algodão em sua estrutura, uma vez que, de acordo com o Banco Central do Brasil, “esse papel tem uma textura mais firme e áspera que a do papel comum, o que lhe dá a resistência necessária para circulação nas mais diversas condições de manuseio.”

Há também algodão no mundo tecnológico, nas telas de celulares, computadores e telas de televisão. Nesses componentes eletrônicos vai um produto chamado línter, que são as fibras menores, enroladas no caroço do algodão, que são separadas e tratadas. A fibra de línter vendida para países como Japão e Suécia, passa por um processo industrial e é transformada em cristais de celulose, a “nanocelulose”, um subproduto com diversificados usos. É ele quem vai parar nas televisões e demais telas.

Línter
Imagens: Lucas Pereira

Na Bahia, a empresa Icofort Agroindustrial realiza o processamento das sementes de algodão. No parque industrial da empresa em Luis Eduardo, ocorre a produção de diversos produtos, além já citadas fibras de línter ou do óleo de algodão.

Do Campo à Indústria – O Processo de Beneficiamento do Algodão

Plantação de algodão
Imagem: Lucas Pereira

Antes de chegar aos mais variados produtos finais resultantes de uma verdadeira metamorfose do algodão, a matéria-prima é colhida na plantação das fazendas e transportada para as empresas de beneficiamento, que realizam o processo de separação dos componentes. A empresa Zanotto Cotton, sediada em Luís Eduardo Magalhães, realiza esse processo de separação da pluma, sementes e impurezas.

Após a colheita, os grandes rolos de algodão são transportados para as usinas de beneficiamento e são levados para uma máquina conhecida como “piranha”, que faz o desmanche do rolinho de algodão e realiza a primeira filtragem de impurezas, com folhas e galhos sendo, em sua maioria, eliminadas.

Depois das piranhas, os pedaços de algodão e caroços seguem por esteira até os demais processos. À cada novo procedimento, mais impurezas e fibras inadequadas são separadas da fibra. Depois, nos descaroçadores ocorre a separação entre fibra e sementes, tendo maior cuidado para evitar que não restem muitos elementos externos ou que o óleo contamine a pluma.

Fardos de algodão beneficiado
Imagem: Lucas Pereira

Por fim, a fibra de algodão beneficiada passa por uma prensagem e as fibras, em blocos, são armazenadas em fardos que pesam entre 220 e 230 kg.

De acordo com Fernanda Zanotto, uma das proprietárias do grupo Zanotto Cotton, o processo de beneficiamento está no centro da cadeia produtiva de algodão, uma vez que necessita de muitos cuidados para se extrair a melhor fibra possível, sem prejudicar sua qualidade.

“É aqui no beneficiamento que o algodoeiro se transforma na fibra de algodão que vai para a indústria têxtil, que segue para outros países. Então, todo o processo precisa ser feito com muito cuidado, para se obter o algodão mais puro possível”, afirma.

Após os fardos serem catalogados e classificados, os mesmos aguardam a comercialização. E os demais materiais obtidos no processo de beneficiamento, como os caroços e os resíduos orgânicos filtrados? Todos eles são de alguma forma reaproveitados.

Os caroços são armazenados e comercializados com empresas especializadas em fazer seu processamento. Já as matérias orgânicas do processo e fibras menores descartadas, acabam retornando para a cadeia agroprodutiva, como adubo.

“A gente faz essa mistura dos restos orgânicos do processo com água, para a compostagem e aplica na roça, é uma das boas práticas nossas. Porque, a partir do momento que a gente utiliza a parte orgânica para agregar na roça, a gente tem nenhum ambiental e tem ganho no bolso”, contou Henrique Moreira, esposo de Fernanda Zanotto e gerente na Zanotto Cotton.

Imagens: Lucas Pereira

Sementes Mágicas

Tendo como exemplo os caroços armazenados no beneficiamento feito pela Zanotto Cotton, esse material acaba sendo reaproveitado por empresas como a Icofort Agroindustrial. Um exemplo de como há no mundo agro uma cadeia que constantemente se realimenta, da mistura das cascas de semente com restos de fibra, surgem as tortas ou farelos alimentares para gados e caprinos, ou seja, a cotonicultura também se faz presente na pecuária.

É aqui também que se obtém o línter, presente em diversificados produtos, a exemplo também de coadores de café, fita adesiva, material hospitalar como a gaze para curativos.

Para Victor Ramos, atualmente analista de produção da Icofort, mas que está na empresa há 12 anos, o universo da cotonicultura é um mar de possibilidades devido à versatilidade do produto. “Algodão pra mim é tudo. Claro que não existiria tudo isso sem pesquisas e aprimoramento dos processos. Então, nosso objetivo é continuar evoluindo nesse sentido”.

Dados de Produção e Exportação

Em significativa expansão, a cotonicultura brasileira e baiana têm alcançado marcas expressivas e importantes, mostrando a solidez do trabalho que vêm sendo feito. Os dados mais recentes do relatório de safra (setembro) da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) sobre a safra 2022/23 trazem informações importantes sobre toda a cadeia.

Até o começo de setembro, 94% do que foi plantado já está colhido e a previsão é de que a produção total seja de 3,07 milhões de toneladas, valor que é 19,8% maior que safra anterior. Se concretizada a previsão, será a segunda vez que o país ultrapassa a marca dos 3 milhões.

Rolos de algodão colhidos
Imagem: Lucas Pereira

Ainda que o consumo interno tenha apresentado uma queda, o setor enxerga que o ciclo 2023/24 deve apresentar condições mais favoráveis para os mercados internos e externos. Nos números de exportação, em agosto de 2023 (primeiro mês do calendário comercial), foram 104,3 mil toneladas de algodão enviadas que geraram US$ 187,7 milhões à cadeia produtiva, um resultado melhor que os dois últimos períodos (2021 e 2022).

Segundo maior exportador da fibra no planeta, atrás apenas dos Estados Unidos, a força da produção de algodão brasileira se concentra no Mato Grosso (principal produtor) e na Bahia, segundo maior polo produtivo. Em nosso Estado, a região Oeste é responsável por mais de 97% da produção de algodão baiano, de acordo com a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa). Países como China, Turquia, Vietnã e Bangladesh são os que mais compram dos nossos cotonicultores, atestando a qualidade do produto.

Mais do que a pluma e fibra, o chamado “ouro branco” é destinado também para diversos setores produtivos, mostrando que nada costuma se perder, pelo contrário, busca-se reaproveitar o máximo possível dos materiais, aliando tecnologia e responsabilidade, comprovando que com uma pequena semente plantada e cuidada, é possível se ter uma infinidade de opções e produtos.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *