Pessoas trans e mercado de trabalho: inserção e manutenção neste segmento

Por Guilherme Moreira, 24/11

A comunidade trans é hoje, no Brasil, uma das mais afetadas por conta do desemprego. Em dossiê realizado por a Transempregos, plataforma que une profissionais a vagas de emprego, em 2022, o Brasil teve um aumento de 40% de contratações, se comparado ao ano anterior (2021). Embora tenha tido aumento significativo, para mulheres trans, a realidade é um pouco mais difícil, sendo que apenas 4% se encontra empregada, formalmente. Essas barreiras de acesso contribuem para que 90% esteja condicionada à prostituição, segundo dados do Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2021, publicado em 2022, pela Antra.

 

A realidade dessas pessoas atravessa um processo histórico de muita marginalização, violência e desvalorização de suas identidades, sendo o preconceito e transfobobia, estrutural e institucional, a maior barreira enfrentada para que adentrem o mercado de trabalho. Em diversos momentos, pessoas trans estão levantando a problemática sobre suas colocações no mercado profissional de trabalho, questionando as suas ausências em lugares que teriam aptidão e maestria na sua força intelectual e operacional, de trabalho.

Pessoas trans e aliadas, dentro da sociedade, entendem que este é um direito social, humanitário, e que qualquer atitude que distancie ou prive identidades outras, que não cisgêneros, de acesso à profissionalização, continuará implementando a transfobia institucionalizada e corroborará para uma marginalização destes corpos.

Embora, hoje, algumas empresas tenham percebido a importância de se ter um corpo de funcionários mais diverso, sendo esse,  fator fundamental para conseguir resultados significativos, e que políticas internas para a promoção de vagas afirmativas para pessoas LGBTQIA+ sejam, cada vez mais, fomentadas, ainda se é percebido uma deficiência no que tange à essas contratações, Rafa Mores e Brendah Hudson enfatizam essa questão, em uma das pílulas do documentário “empregabilidade de pessoas trans)  – clique aqui   

 

João Hugo, em participação no podcast gravado para essa reportagem, conta como é o cenário, normalmente, para essas pessoas ao adentrar essa empresa.

– episódio podcast- João Hugo (ouça, na íntegra)

Para se fomentar um quadro mais diverso de funcionários, empresas que demonstram-se interessadas na prática da diversidade e inclusão, tem passado por processos de acompanhamento e/ou letramento inicial, sobre como se direcionar à essas pessoas, qual a forma ideal para que ela se sinta, realmente, inclusa, e acolhida, dentro daquele ambiente, pronomes adequados, tolerância no que diz respeito ao uso do banheiro, ao qual a pessoa se adeque e se sinta confortável.

Este trabalho tem sido fomentado por empresas e startups, que atuam, diretamente, levando informação, letramento e direcionando lideranças e corpo de funcionários, daquela determinada empresa. Elas ainda promovem um trabalho de capacitação, para grupos LGBTQIA+ que estão dispostos à se profissionalizarem e entenderem um pouco melhor do mercado. Atuação fundamental, para que a profissionalização seja uma realidade para estas pessoas.

Levando em consideração, que muitas delas não foram oportunizadas para entrarem ou permanecerem, tanto no ensino fundamental/médio,  quanto no superior, e que,  para essas pessoas conseguirem se manter no mercado de trabalho, é necessário respeito à suas necessidades e identidades.  Cabe aqui, princípios básicos de tolerância e direcionamento, às mesmas.

O trabalho formal no Brasil, ainda hoje, é uma realidade pouco alcançada por parte significativa de pessoas trans, em todo o território. Há regiões em que situações que vulnerabilizam e subalternizam essas pessoas é maior que em outras, onde o acesso à oportunidades de emprego é pouca ou nenhuma e, por outro lado, existem os grandes centros urbanos e capitais, onde se concentram grandes empresas dos mais variados segmentos, com alguns investimentos captados e aplicados em promoção à diversidade e inclusão, em seu corpo de funcionários.  Mas, ainda dentro desse contexto, pode-se observar algumas capitais do país, em que ainda pouco se discute a importância de captar, empregar e gerar renda para pessoas trans, como conta Ro Vicente, pessoa trans não binário, ativista e artista, ao falar sobre a forma como as empresas tem lidado com essa demanda, aqui em Salvador.

O contexto social e histórico, ao qual o estado da Bahia está inserido, possibilita que inúmeros tipos de preconceitos sejam reproduzidos e mantidos, compassadamente, dentro de sua estrutura social e organizacional. Este cenário imputa, na transfobia, a responsabilidade parcial ou geral, da evasão ou captação reduzida de pessoas trans, para o mercado formal, dentro dos mais variados segmentos de empresas.

De acordo com levantamento realizado entre a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Grupo Gay da Bahia e Agenda Bahia do Trabalho Descente/ Setre, em 2019, nesse período, cerca de 30% das empresas evitaram contratar pessoas LGBTIs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Trangêneros e Intersexuais.), na Bahia.

"CARREGAMOS NO NOSSO PRÓPRIO CORPO A BANDEIRA DE LUTA, E POR ISSO, TEMOS ESSA NEGAÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO" Thiffany Odara, pedagoga e ativista LGBTQIA+

Personalidades baianas e ativistas LGBTQIA+, como Keila Simpson, Thiffany Odara, Paulette Furacão, Tifanny Conceição e muitas outras mulheres trans e travestis se movimentam, para amenizar os danos instaurados pela transfobia, na vida cotidiana de ausências de direitos e oportunidades, para suas e seus semelhantes. São tensionamentos constantes, inúmeros debates, projetos, visando cada vez mais diversificar este mercado tão desigual e segregacionista.

Em um de nossos episódios, onde foi se discutida essa temática, recebemos Keila Simpson, travesti e ativista, fundadora da ANTRA, Associação Nacional de Travestis e Transexuais.

Keila destaca pontos importantes, como a questão do empreendedorismo independente, realizado por pessoas trans, pois, para ela, ter somente essa saída, para subsidiar as necessidades básicas, dessa população, não é condizente com o humanitário, que deve garantir oportunidades de emprego e renda, para todos os recortes e interseccionalidades.

Elas estiveram presentes na quarta marcha trans da Bahia, que aconteceu no dia 09 de setembro e, algumas delas, ainda falaram um pouco, sobre a importância do evento, para a comunidade trans. Levantando-se o discurso de que há urgência em que direitos básicos humanos, oportunidades, espaços e respeito, sejam entregues à elas e o quanto é relevante, a sociedade civil estar na luta contra a transfobia estrutural e institucional, na Bahia e todo o país.

O governo da Bahia, em parceria com representantes do movimento LGBTQIA+, tem atuado de forma à contribuir com a inserção de pessoas trans, no mercado formal de trabalho. Alguns programas de capacitação e vagas afirmativas, para esta comunidade, foram abertas. A exemplo, temos uma ação de capacitação do Governo da Bahia, em parceria com Sine Bahia e o Projeto Oportunizar- Ação Nacional de Empregabilidade para Pessoas Trans, que ofereceram 600 vagas  em cursos de capacitação.

Mas, ainda é um processo que demanda maiores esforços e que sejam aplicadas medidas mais eficazes, para que esta demanda seja cumprida, saindo apenas do discurso. Em Salvador, assim como em toda a Bahia, precisa-se, urgentemente, de políticas públicas que garantam direitos à essa comunidade. Há, em muitos e muitas jovens trans, o desejo de se colocar no mercado. Aprender, na prática. Mostrar suas aptidões, técnicas, criatividade e percepções individuais, de mundo e do trabalho. Hoje, já se é sabido que quanto mais uma empresa se tem um corpo de funcionários diverso e plural , mais rentabilidade ela terá, resultados mais dinâmicos e eficientes, também. Investir nessa lógica, é garantir uma qualidade de vida melhor, para identidades trans. É propiciar que pessoas trans deixem as ruas, a marginalização, a prostituição e que elas sejam, sobretudo, humanizadas.

A transfobia, nome dado à aversão por identidades trans e pelos recorrentes tipos de agressões provenientes desta, que podem ser cometidas de forma física, verbal ou psicologica, atravessa à essas pessoas de diversas formas, constantemente. Estas agressões estão presentes nas suas vidas e cotidianos. Muitas vezes tendo sua identidade de gênero colocadas como algo anormal ou como patologia pela sociedade.
Essas agressões ocorrem como forma de punição e são praticadas até mesmo dentro da própria casa, por familiares, se tornando este o ponta pé para que pessoas trans saiam muito cedo de casa e tentem ganhar a vida pelos centros urbanos das cidades. Para identidades trans, ser alfabetizada e estar presente em ambientes escolares, é uma realidade conturbada, pois são nesses espaços onde se inicia muitos dos processos de questionamentos, julgamentos e intolerância, por colegas ou até mesmo corpo docente e demais funcionários.

A realidade da educação acessada por esta comunidade no pais é algo complexo e não consegue alcançar à todos, todas e todes. Inúmeros fatores, impossibilitam, que a estadia seja harmônica e prazerosa, dentro destes ambientes. Muitas dessas pessoas abdicam de estarem presentes em salas de aula, seja por problemas externos, que dificultam suas permanências, ou por não terem suas verdadeiras identidades reconhecidas e respeitadas, por um sistema que já começa a delimitar suas experiências e exclui-las do direito à educação e opressão aos corpos, vistos como indignos e divergentes do restante do corpo discente, levando à uma evasão escolar recorrente.

O mesmo acontece na academia. Dificilmente verá uma pessoa trans, ocupando esses espaços. Embora hoje, por intermédio de politicas públicas de acesso, promoções à diversidade e inclusão, dentro destes espaços, este panorama vem sendo modificado. Mas ainda falta muito para que esses corpos sejam, de fato, representados e percebidos em sua totalidade. A falta recorrente de artifícios que contribuam com a possibilidade de entrada e permanência digna de pessoas trans na academia, caracteriza e impulsiona o panorama de ausências destas identidades no mercado profissional de trabalho.

O fator empregabilidade, diferente do que se adequa e alcança pessoas cis normativas, é algo que tende a ser, em diversos contextos, excludente e nocivo, para este recorte de pessoas. Fatores como a falta de desenvolvimento em pesquisas e, consequentemente, de dados voltados à esta comunidade, por órgãos como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que define recortes e alimenta em diversos segmentos da sociedade civil, com informações em esferas federais, estaduais e municipais, por exemplo, contribuem para uma noção de uma transfobia que tende à não humanizar tais identidades.

A falta de dados relacionados à estas pessoas, atinge um lugar de esquecimento e anulação de identidades trans, em todo o país. Ao entorno de uma falta de assertividade, quantitativa, e maior responsabilidade social, no decorrer de pesquisas, relacionado à identidade de gênero, segregações e desinformação, acerca de aspectos relevantes, para esta comunidade, como: emprego, renda, escolaridade, saúde, mortalidade, segurança e outros, continuarão reafirmando o preconceito estrutural e a deslegitimação destes corpos, na nossa sociedade.

 

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