Negros no Brasil: de mercadoria a donos do próprio negócio
Muito antes da pandemia mundial do vírus causador do Covid-19, o negro no Brasil teve um longo caminho para sua emancipação financeira. De acordo com as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, cerca de 4,9 milhões de africanos foram trazidos como escravos durante a colonização portuguesa até a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz, responsável por estabelecer medidas para a repressão do tráfico de africanos no Império, e da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil.
As mazelas causadas pela escravidão perduram até os dias de hoje, o sistema econômico vigente reproduz aquilo que Silvio Almeida denota como “racismo estrutrural”, que é, em sua essência, práticas e costumes dentro da sociedade capitalista que visam limitar o poder exercido sobre corpos negros. O Afroempreendedorismo entra neste jogo político com a intenção de apaziguar desigualdades sociais, de acordo com o IBGE (2019) a população negra é responsável por movimentar quase 2 trilhões de reais, sendo 56,10% da população.
Pandemia: o “novo normal” para quem?
De acordo com Kennyston Lago, analista gestão estratégica do SEBRAE, os empreendedores pretos foram os mais afetados pela pandemia, já que em sua grande maioria surgem de uma condição histórica socioeconômica inferior e sofrem por falta de apoio financeiro e racismo estrutural, diferente aos que se declararam como brancos. Ou seja, pequenos negócios liderados por pessoas negras sentiram mais as quedas no faturamento diante da pandemia da Covid-19.
É visível a diferença entre os impactos de negócios de pessoas brancas e pessoas negras, entretanto, é também chamativo que isso ocorra apesar de ambos os negócios passarem pelas mesmas dificuldades técnicas, evidenciando os marcadores sociais que perpassam questões de técnica. Neste sentido, a raça pode ser lida como fator que determinar o êxito de um empreendimento.
Essa realidade impactou e continua impactando diretamente a economia do país e principalmente os empreendedores negros, segundo dados levantados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em conjunto com Fundação Getulio Vargas o faturamento caiu para 72% da população negra, em contrapartida 66% dos empreendedores brancos declarou estarem na mesma situação financeira.
A recuperação mais lenta dos empreendedores está registrada na 13ª Pesquisa de Impacto do Coronavírus no Pequenos Negócios, feita pelo Sebrae e a Fundação Getulio Vargas. O afro-empreendedorismo é compreendido como mais do que o simples desejo de empreender, pode ser entendido também como uma transformadora ferramenta de mudança social que busca equiparar mediante a grandes desigualdades sociais.
Salvador e os efeitos da pandemia em afro-empreendedores
Salvador foi o segundo maior porto de chegada de africanos escravizados do Brasil vindos das expedições portuguesas no continente africano, e esse processo deixou sequelas que sentenciou gerações de negros a desumanidade e subalternização, desigualdade sócio racial e marginalização de vidas pretas na atualidade. Buscando sair do figurativo e buscar depoimentos reais a equipe jornalística do Estúdio foi através de figuras que representassem o empreendedor negro, e pudermos conhecer as dificuldade de empreendedores negros locais durante a quarentena.
Para Rosangela Correia, artesã soteropolitana, que vende blusas com pinturas de berimbau no Centro Histórico de Salvador há mais de 17 anos, seu trabalho garante o suficiente para sobreviver. Zane Correia, que é seu nome artístico, aprendeu a arte da pintura com seu falecido marido, que morreu em decorrência a Covid-19 no ano de 2021.
Apesar desta triste realidade, a autodidata se sente agraciada por trabalhar em uma cidade histórica como Salvador, “Os prazeres de trabalhar aqui é ver. Aqui é o quintal do mundo, né? A gente conhece todo mundo, que vêm de todo mundo, entendeu? E sobreviver mesmo”.
Outra figura que capta atenção é conhecida nas imediações da Universidade Jorge Amado, Zaquel Novais dos Santos, é um vendedor ambulante que produz salgados para vender na entrada de uma estação de metrô, e que relata em entrevista que durante a quarentena conseguiu ficar apenas duas semanas afastado do seu serviço.
A pesquisa sobre Impacto do Coronavírus no Pequenos Negócios, realizada no período de 25 de novembro e 1º de dezembro do ano de 2021, apontou que 6.883 respondentes de todo o País, 72% dos empreendedores negros ainda têm faturamento inferior do que aqueles obtidos em meses tido como “normais” ou antes da pandemia, pois as pessoas negras têm mais dificuldades de encontrar oportunidades nos estudos, em empregos de qualidade.
Esses fatores influenciam não apenas os afro-empreendedores nos aspectos financeiros, há também o limitado acesso às informações que impossibilita muitos desses trabalhadores conhecerem seus direitos básicos como destaca a manicure baiana Lourdes Maria, que ressalta a importância de existir uma maior orientação quando se trata de Previdência Privada, “Seria bom que eles dessem mais suporte para MEI, que estão entrando no mercado” disse ela, que ainda afirmou ter sido incentivada por seus professores do curso.
Segundo a analista do Sebrae de Minas Gerais, Laurana Silva Viana, um dos pontos positivos é que há a demonstração de que os negócios liderados por pessoas negras (88%), em sua maioria, já contam com o PIX como forma de pagamento, o que mostra que essas pessoas estão antenadas e garantem mais agilidade nos pagamentos, já no caso dos empreendedores brancos, o número é de 85%.
Com o início da vacinação no Brasil, que começou no mês de janeiro do ano de 2021, houve uma lenta reabertura do comércio e uma recuperação na economia. Segundo dados do Sebrae de maio deste ano, o Brasil ganhou quase 6 milhões de microempreendedores individuais (MEIs) desde 2020, e 646 mil só em 2022. Esses novos dados podem ser interpretados como bastante otimistas, reacendendo os ânimos, em especial, dos empreendedores negros que são os menos privilegiados socialmente e que dependem dessa dinâmica de comércio.