Relembre como foi o Plano Collor, o polêmico confisco e como as mudanças de
governo alteram o modo de viver de uma população inteira.
Por: Ana Beatriz Matos
Imagine o seguinte cenário: após 21 anos de ditadura, o país vivia sua primeira eleição democrática direta. Nesse momento de conquista e euforia havia uma gama de candidatos para o cargo mais desafiador do governo: a presidência. Excepcionalmente, um deles se destacou pela sua postura moderna, desenvoltura jovial e sensacionalmente intitulado de ‘caçador de marajás’. O cenário péssimo da economia não o assustava, afinal, ele exalava confiança e aptidão para qualquer desafio, o que levou 53% da população brasileira a literalmente depositar seu voto de confiança. Tudo era como viver numa utopia, até que no dia 16 de março de 1990, o sonho se revelou um verdadeiro PESADELO.
Para entender melhor é preciso ir por partes:
O PRESIDENTE FERNANDO COLLOR DE MELLO
Fernando Collor de Mello conquistou a 32ª presidência do Brasil em 1990 quando desbancou outros nomes fortes ao cargo, como Lula da Silva (atual presidente) e Ulysses Guimarães. Apesar de jovem, o carioca já era governador do Estado de Alagoas e conquistou o povo com sua imagem moderna e contra a corrupção. Era um momento de conquista e vibração, afinal, era a primeira eleição direta para presidente após a Ditadura Militar. A esperança com o novo governo, no entanto, não durou muito tempo e acabou precocemente nos primeiros dias.
O PLANO COLLOR
Apesar da vitória nas eleições, Collor de Mello e sua equipe nunca haviam mencionado a existência de um plano durante a campanha eleitoral. A promessa que precede sua posse seria apenas de acabar com a inflação e melhorar a economia, mas apenas destacou que isso poderia acontecer combatendo a corrupção e demitindo funcionários, e naquele momento isso foi suficiente. Porém, a inflação em 1990 estava em surreais 2.000% ao ano,(para se fazer uma comparação, durante o governo Dilma, em 2015, a inflação mais alta registrada foi 10,67%), era necessário mais que caçar políticos corruptos e funcionários do governo. O país precisava de um plano, um cronograma eficiente a ser seguido, e com isso surgiu o ‘Plano Brasil Novo’, popularmente conhecido como ‘Plano Collor’, liderado pela ministra de economia do então presidente, Zélia Cardoso de Mello. Veja as medidas:
Assim como os governos anteriores, o Plano Collor também incluiu a mudança da moeda como ponto para melhoria do país, no entanto, apenas fazê-lo avulsamente não geraria tantas mudanças, conforme explica o economista, advogado e mestre em administração estratégica Manoel Vitório:
A criação de uma nova moeda sem estabelecer um plano eficaz não resolve nada! É apenas uma mudança feita de maneira superficial e baseada apenas no “achômetro”. Não foi como o Plano Real, que de fato houve estudo e por isso deu tão certo até hoje.”
O CONFISCO
De todas as medidas, sem dúvidas a mais polêmica foi o Confisco, até mais
que a troca da moeda, que passou de Cruzado Novo para Cruzeiro. O objetivo era confiscar
contas correntes e de poupança por 18 meses. Isso significava congelar os valores para que apenas o governo tivesse acesso. Portanto, todas as contas com mais de Cr$50 mil Cruzeiros foram suspensas. Em valores atualizados, pouco mais de R$6 mil. Como se já não fosse suficiente, não só foram confiscadas as poupanças, mas CDB’s¹, fundos de renda fixa² e no Overnight³. Somente as ações não foram afetadas, pelo menos não diretamente. A razão dada ao povo foi que o governo usaria o dinheiro como reserva para financiar projetos econômicos. Dinheiro esse que na prática, deveria ser reembolsado ao final de 18 meses com correção de juros de 6% ao ano, porém o acordo não foi cumprido e o dinheiro só foi devolvido para as pessoas que entraram na justiça muitos meses depois.
O Plano não tinha nada de planejado, foi um tiro no escuro torcendo para acertar o alvo certo. Foi como um compilado de medidas aleatórias sem cuidado algum:
O Brasil estava numa situação difícil e precisaria ser feito um estudo mais aprofundado para saber o que seria melhor no momento de acordo com a capacidade do país. Imagine você ter um paciente e dar uma carga de remédio acima do suportado? Você mata o paciente. A solução era estabelecer controle de gastos, apoiar a indústria, os gastos públicos serem contidos, como as regras que seguram o plano real, onde foi estruturado a saída, a troca da moeda etc.”
A CONSEQUÊNCIA:
As consequências de um plano ousado e repentino foram muito além do descontentamento da população. O desemprego assolou o país, a inflação4 não foi contida como deveria, protestos e invasões a supermercados se tornaram rotina, além de perdas imateriais, como suicídio daqueles que não suportaram tamanha violência governamental. Em decorrência da péssima gestão, no dia 02 de Outubro de 1992, Collor é afastado do cargo até a conclusão do seu Impeachment. Até hoje pessoas lutam na justiça para conseguir o dinheiro que foi retido pelo governo, após 30 anos, muitos poupadores já faleceram à espera desse estorno5. Somente em 2020 o ex-presidente pediu perdão aos brasileiros através da sua conta no ‘Twitter’: “Acreditei que aquelas medidas radicais eram o caminho certo. Infelizmente errei. Gostaria de pedir perdão a todas aquelas pessoas que foram prejudicadas pelo bloqueio dos ativos. […] “Quisemos muito acertar. Nosso objetivo sempre foi o bem do Brasil e dos brasileiros.”.
Não havia muita alternativa para a população naquele momento, afinal, o plano foi tão repentino, que nem mesmo houve tempo de se prevenir.
Em qualquer situação não tem como a população reagir, nesse regime o povo fica de mãos atadas.”
E O ATUAL BRASIL?
Hoje, o Brasil vive uma economia estável, sem hiperinflação e também com uma
mudança de governo drástica, que conta com o retorno de Lula da Silva após 12 anos longe do cargo. Vale lembrar que não há possibilidade de um novo confisco, de acordo com a Emenda Constitucional de 2001 fora que se estivermos nos termos legais da lei, necessitaria da aprovação do congresso, fator que daria tempo a população para retirada dos seus bens. Outro fator é a expansão de ferramentas que facilitam a busca por informação, que inibe a insciência no processo de escolha dos candidatos.
Lula e Alckmin com todos os ministros empossados no dia 1º de janeiro de 2023. Por: Ricardo Stuckert/Divulgação.
Confira o vídeo com uma galeria de fotos especial do governo Collor, da sua ascensão à queda.
Assista ao documentário ‘Confisco’, disponível na HBO e direção de Felipe Tomazelli, Gustavo Mello e Roberto Ríos.