Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo. Disp.: O Globo

PLANO COLLOR: uma análise sobre o confisco e as consequências de uma mudança de governo.

Relembre como foi o Plano Collor, o polêmico confisco e como as mudanças de
governo alteram o modo de viver de uma população inteira.

Por: Ana Beatriz Matos

Imagine o seguinte cenário: após 21 anos de ditadura, o país vivia sua primeira eleição democrática direta. Nesse momento de conquista e euforia havia uma gama de candidatos para o cargo mais desafiador do governo: a presidência. Excepcionalmente, um deles se destacou pela sua postura moderna, desenvoltura jovial e sensacionalmente intitulado de ‘caçador de marajás’. O cenário péssimo da economia não o assustava, afinal, ele exalava confiança e aptidão para qualquer desafio, o que levou 53% da população brasileira a literalmente depositar seu voto de confiança. Tudo era como viver numa utopia, até que no dia 16 de março de 1990, o sonho se revelou um verdadeiro PESADELO.

Para entender melhor é preciso ir por partes:

O PRESIDENTE FERNANDO COLLOR DE MELLO

Fernando Collor de Mello, presidente da República, durante a cerimônia de posse, no Palácio do Planalto. 15/03/1990 (VEJA/Dedoc)

Fernando Collor de Mello conquistou a 32ª presidência do Brasil em 1990 quando desbancou outros nomes fortes ao cargo, como Lula da Silva (atual presidente) e Ulysses Guimarães. Apesar de jovem, o carioca já era governador do Estado de Alagoas e conquistou o povo com sua imagem moderna e contra a corrupção. Era um momento de conquista e vibração, afinal, era a primeira eleição direta para presidente após a Ditadura Militar. A esperança com o novo governo, no entanto, não durou muito tempo e acabou precocemente nos primeiros dias.

O PLANO COLLOR

Apesar da vitória nas eleições, Collor de Mello e sua equipe nunca haviam mencionado a existência de um plano durante a campanha eleitoral. A promessa que precede sua posse seria apenas de acabar com a inflação e melhorar a economia, mas apenas destacou que isso poderia acontecer combatendo a corrupção e demitindo funcionários, e naquele momento isso foi suficiente. Porém, a inflação em 1990 estava em surreais 2.000% ao ano,(para se fazer uma comparação, durante o governo Dilma, em 2015, a inflação mais alta registrada foi 10,67%), era necessário mais que caçar políticos corruptos e funcionários do governo. O país precisava de um plano, um cronograma eficiente a ser seguido, e com isso surgiu o ‘Plano Brasil Novo’, popularmente conhecido como ‘Plano Collor’, liderado pela ministra de economia do então presidente, Zélia Cardoso de Mello. Veja as medidas:

Medidas do Plano Collor I

Assim como os governos anteriores, o Plano Collor também incluiu a mudança da moeda como ponto para melhoria do país, no entanto, apenas fazê-lo avulsamente não geraria tantas mudanças, conforme explica o economista, advogado e mestre em administração estratégica Manoel Vitório:

A criação de uma nova moeda sem estabelecer um plano eficaz não resolve nada! É apenas uma mudança feita de maneira superficial e baseada apenas no “achômetro”. Não foi como o Plano Real, que de fato houve estudo e por isso deu tão certo até hoje.”

O CONFISCO

De todas as medidas, sem dúvidas a mais polêmica foi o Confisco, até mais
que a troca da moeda, que passou de Cruzado Novo para Cruzeiro. O objetivo era confiscar
contas correntes e de poupança por 18 meses. Isso significava congelar os valores para que apenas o governo tivesse acesso. Portanto, todas as contas com mais de Cr$50 mil Cruzeiros foram suspensas. Em valores atualizados, pouco mais de R$6 mil. Como se já não fosse suficiente, não só foram confiscadas as poupanças, mas CDB’s¹, fundos de renda fixa² e no Overnight³. Somente as ações não foram afetadas, pelo menos não diretamente. A razão dada ao povo foi que o governo usaria o dinheiro como reserva para financiar projetos econômicos. Dinheiro esse que na prática, deveria ser reembolsado ao final de 18 meses com correção de juros de 6% ao ano, porém o acordo não foi cumprido e o dinheiro só foi devolvido para as pessoas que entraram na justiça muitos meses depois.

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Reprodução: Divulgação/ Capa da Revista VEJA
Reprodução: Divulgação/ Capa da Revista VEJA e capa do Jornal O Globo

O Plano não tinha nada de planejado, foi um tiro no escuro torcendo para acertar o alvo certo. Foi como um compilado de medidas aleatórias sem cuidado algum:

O Brasil estava numa situação difícil e precisaria ser feito um estudo mais aprofundado para saber o que seria melhor no momento de acordo com a capacidade do país. Imagine você ter um paciente e dar uma carga de remédio acima do suportado? Você mata o paciente. A solução era estabelecer controle de gastos, apoiar a indústria, os gastos públicos serem contidos, como as regras que seguram o plano real, onde foi estruturado a saída, a troca da moeda etc.”

A CONSEQUÊNCIA:

As consequências de um plano ousado e repentino foram muito além do descontentamento da população. O desemprego assolou o país, a inflação4 não foi contida como deveria, protestos e invasões a supermercados se tornaram rotina, além de perdas imateriais, como suicídio daqueles que não suportaram tamanha violência governamental. Em decorrência da péssima gestão, no dia 02 de Outubro de 1992, Collor é afastado do cargo até a conclusão do seu Impeachment. Até hoje pessoas lutam na justiça para conseguir o dinheiro que foi retido pelo governo, após 30 anos, muitos poupadores já faleceram à espera desse estorno5. Somente em 2020 o ex-presidente pediu perdão aos brasileiros através da sua conta no ‘Twitter’: “Acreditei que aquelas medidas radicais eram o caminho certo. Infelizmente errei. Gostaria de pedir perdão a todas aquelas pessoas que foram prejudicadas pelo bloqueio dos ativos. […] “Quisemos muito acertar. Nosso objetivo sempre foi o bem do Brasil e dos brasileiros.”.

Pessoas fazem fila na Justiça Federal para pedir liberação do dinheiro retido
nos bancos após o plano Collor: Matuiti Mayezo – 29.jan.1991/ folhapress

Não havia muita alternativa para a população naquele momento, afinal, o plano foi tão repentino, que nem mesmo houve tempo de se prevenir.

Em qualquer situação não tem como a população reagir, nesse regime o povo fica de mãos atadas.”

E O ATUAL BRASIL?

Hoje, o Brasil vive uma economia estável, sem hiperinflação e também com uma
mudança de governo drástica, que conta com o retorno de Lula da Silva após 12 anos longe do cargo. Vale lembrar que não há possibilidade de um novo confisco, de acordo com a Emenda Constitucional de 2001 fora que se estivermos nos termos legais da lei, necessitaria da aprovação do congresso, fator que daria tempo a população para retirada dos seus bens. Outro fator é a expansão de ferramentas que facilitam a busca por informação, que inibe a insciência no processo de escolha dos candidatos.

Lula e Alckmin com todos os ministros empossados no dia 1º de janeiro de 2023. Por: Ricardo Stuckert/Divulgação.

Confira o vídeo com uma galeria de fotos especial do governo Collor, da sua ascensão à queda.

Assista ao documentário ‘Confisco’, disponível na HBO e direção de Felipe Tomazelli, Gustavo Mello e Roberto Ríos.

Reprodução: YouTube/HBO

  1. Sensacional, Abm! Confesso que a reportagem foi de extrema importância para esclarecer algumas dúvidas que eu tinha. Sempre vi pessoas relatando de forma superficial. Obrigado por se aprofundar e esclarecer pontos importantíssimos.

  2. A matéria que trata sobre o confisco monetário no período Collor desempenha um papel fundamental na análise e compreensão desse período histórico. Ao abordar esse tema delicado, a matéria nos convida a refletir sobre os desafios enfrentados pelo Brasil na década de 1990 e as medidas tomadas para combater a inflação descontrolada e a especulação financeira.

    Um aspecto elogiável dessa matéria é sua abordagem imparcial e baseada em fatos históricos. Ao apresentar uma visão equilibrada do confisco monetário, a matéria permite que os leitores compreendam os diferentes pontos de vista e as complexidades envolvidas nessa medida controversa. É essencial que o jornalismo histórico seja transparente e objetivo, e essa matéria cumpre esse papel de forma admirável.

    Além disso, a matéria também contribui para a reflexão sobre as lições aprendidas com o confisco monetário. Esse episódio nos alerta para a importância de políticas econômicas responsáveis e planejadas com cuidado. A adoção de medidas extremas, como o confisco, deve ser sempre precedida de uma análise criteriosa de suas consequências e da busca por alternativas menos impactantes para a população.

    Outro ponto que merece destaque na matéria é a contextualização histórica. Ela nos transporta para a década de 1990, momento de profundas transformações políticas e econômicas no Brasil. Compreender o confisco monetário à luz desse contexto é fundamental para uma análise completa e abrangente desse período. A matéria, ao fornecer esse panorama histórico, enriquece o debate e permite uma visão mais ampla sobre os desafios enfrentados pelo país naquela época.

    1. Excelente, é possível perceber uma abordagem direta e clara com o que foi o confisco monetário no período de Collor. No entanto, também é visto transmite uma visão autarcia, fazendo assim com que cada eleitor analise os diferentes pontos de vista envolvidos na matéria.

      merece uma atenção especial também pela forma em que abordou os fatos de maneira explícita e se baseando nos fatos históricos, onde assim pode levar os eleitores novamente para a década de 90. Em suma, toda a matéria faz com que vc compreenda o contexto de forma clara para que se faça uma análise abrangente do que ocorreu nesse período.

  3. Q matéria genial, abriu os olhos para quem quer realmente se preocupar com seu País e n vacilar nos tempos de hj, as informações estão aí a todo o tempo . Parabéns maravilhosa 👏🏻

  4. Parabéns pela publicação Bia! Uma matéria com uma leitura gostosa e instigante, que transmitiu com clareza todo contexto histórico envolvido nesse capítulo da história do país

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