Foto: Ana Clara Pires

Primeiro bloco afro do Brasil, Ilê Aiyê completa 50 anos de história

A trajetória do bloco foi homenageada na Bienal do Livro Bahia 2024

Por: Acácia Vieira, Ana Clara Pires e Samira Almeida

“Que bloco é esse? Eu quero saber / É o mundo negro que viemos mostrar pra você (pra você).” O trecho da música “Que bloco é esse?” é o que caracteriza a essência do primeiro bloco afro do Brasil, Ilê Aiyê, que completa 50 anos de existência no ano de 2024. A história, marcada pela resistência e valorização da cultura negra no país, foi homenageada durante o último dia da Bienal do Livro Bahia, realizada na quarta-feira (1), no Centro de Convenções, em Salvador.

O momento contou com a participação de fãs do bloco, além de Antônio Carlos dos Santos, também conhecido como Vovô do Ilê, a historiadora, Luciana Brito, e Alex Simões, poeta e performer baiano, que ministrou a mesa de encerramento. Os palestrantes aproveitaram a oportunidade para debater temas acerca da importância do surgimento do Ilê Aiyê na reafirmação da negritude na capital baiana e da luta contra o racismo.

O Vovô destacou que o legado do Ilê é resultado de diversas influências do movimento negro americano, como o Black Power (Poder Negro) e Negritude, que levou a idealizar o início de uma nova proposta cultural no país: um bloco formado exclusivamente por negros. O grupo iniciou sua jornada na ladeira do Curuzu, no bairro da Liberdade, considerada uma das principais regiões periféricas de Salvador composta majotariamente por pessoas negras.

“A maior parte do povo da cidade não tinha esse orgulho de hoje em ser ‘negão’ da liberdade. A juventude negra da época costumava desfilar em blocos de indígenas, como o Caciques do Garcia, já que, até então, não existia algum bloco para negros. Nós já tínhamos uma certa influência do movimento negro americano, então, a partir deste momento, surgiu a ideia de criar um grupo exclusivamente de mulheres e homens negros”, disse.

O depoimento de Antônio evidenciou a necessidade da época de criar um espaço voltado para o reconhecimento das pessoas marginalizadas na sociedade em resposta à opressão ocorrida durante a década de 70, em meio ao período da ditadura militar brasileira. Segundo ele, as discussões acerca das questões raciais eram proibidas nestes anos, então, frente ao receio de represálias, o Ilê surgiu para potencializar o significado de ser negro dentro da cidade mais negra fora da África.

“Durante a adolescência, os negros não podiam usar roupas coloridas, o cabelo tinha que estar bem curtinho ou alisar, no caso das meninas, pois, aos olhos da sociedade, ele era ruim; nós éramos vistos como objetos de estudo. Tínhamos que nos reunir em espaços fechados para que a polícia não pudesse invadir. Com o Ilê, criamos uma estética, musicalidade, que é o nosso grande diferencial, e hoje as pessoas falam: ‘Ah, se não fosse o Ilê Aiyê’”, acrescentou o Vovô.

Ainda durante a conversa, a historiadora Luciana abordou como a história de luta e resistência do bloco Ilê Aiyê inspirou a desenvolver um livro acerca das semelhanças e diferenças dos movimentos abolicionistas raciais nos Estados Unidos e Brasil. Ela explicou a relevância do Frederick Douglass, que se configurou como uma figura histórica para o combate do racismo americano bem como o Ilê no país, a partir de um conceito que rompia com os conceitos predominantes da época.

“Ele era uma criança escravizada que fugiu para o norte dos Estados Unidos e se tornou editor, diplomata, ativista e sofreu violência de toda a ordem para denunciar o racismo e a escravidão nos Estados Unidos. Eu recomendo a leitura do livro, pois abrange discussões importantes do combate à supremacia branca e do entendimento da dor de um adulto escravizado”.

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